segunda-feira, 20 de junho de 2011

Voos solos

Vamos dar uma tonalidade mais leve aos posts do blog. Andei falando muito sobre política e sobre gente que não apenas jamais vai mudar a história da Humanidade, como dentro de mais algum tempo estará esquecida. Alguém tem dúvidas de que Antonio Palocci despontará para o anonimato? Luís Sérgio também experimentará a morte em vida em um ministério inexpressivo. Mas, falando a verdade, será que tem expressão para algo maior? Nem para ministro tem envergadura...
Mas não foi por isso que trouxe vocês até aqui. Tenho uma imensa frustração: não sei tocar qualquer instrumento de corda. Violão, guitarra, cavaquinho, nada, nem aquele contrabaixo de uma única corda que a gente vê nas jug bands de Louisiana. Um cabo de vassoura pregado numa tina de roupa, unido por um arame. Isso, porém, não quer dizer que não tenha sensibilidade para apreciar um bom solo, um toque diferenciado, algo realmente excitante.
Tempos atrás, fiz uma lista de 10 solos de guitarra que deveriam ser ouvidos antes de morrer. A relação seria publicada no Jornal de Brasília, mas, por algum motivo alheio à minha vontade, ficou guardada no meu computador e se perdeu. Enfim, paciência. Mas acho que me lembro de parte dela e se vocês que (não) me leem me permitirem, vou enumerar uns cinco que acho sensacionais. Vale dizer que isso aqui não se destina apenas aos marmanjos e roqueiros de plantão. O mulherio também poderá apreciar, pois, creio, elas saberão entender onde quero chegar.
Antes, porém, de entrar na lista, uma advertência: não se trata de exercícios de virtuosismo paganiniano (existe isso?) ou algo do gênero. É apenas bom gosto, dessas coisas que arrepiam a gente sempre que se ouve. Bem, vamos deixar de papo e passemos à lista. Vocês podem discordar de mim o quanto quiserem. Não vai adiantar nada mesmo.

Santana - Yours is the light (álbum "Welcome") - O grande Carlos, no LP anterior, "Caravanserai", dera uma guinada na direção do jazz. Considero "Welcome" superior e com praticamente o mesmo time: percussões de José Chepito Areas e Armando Peraza, bateria de Michael Schrieve, baixo de Douglas Rauch, teclados de Richard Kermode e Tom Coster, vocais de Leon Thomas e, como convidados especiais, Flora Purim (vocais), Gayle Moran (vocais), Hubert Laws (flauta) e John McLaughlin (guitarra). Bem, com um elenco desses, nada poderia dar errado. A valorizada que Carlos dá na mesma nota, puxando apenas uma variação uma oitava acima, logo no começo do solo, é uma das coisas mais lindas que eu já ouvi.

Mel Galley - Gambler (álbum "Slide it in", Whitesnake) - Mel teve um fim de vida terrível, com uma doença degenerativa que lhe tirou a vida, creio que há dois anos. Sempre foi um cara que flertou com o estrelato, desde os tempos do Trapeze, mas bateu na trave. Quando David Coverdale botou na cabeça que o Whitesnake tinha de ser uma banda de "gatos", chutou o gordinho Bernie Marsden, um dos meus guitarristas prediletos. Chamou Mel para seu lugar, fazendo primeiro dupla com Micky Moody e, depois, com John Sykes - até que o lindíssimo e talentoso Sykes ficou sozinho. Mel, porém, faz um solo inspirado, com poucas notas, todas de uma precisão absoluta. E fecha com uma pequena, mas rápida, sequência, mostrando que se quisesse aumentar a velocidade, poderia tê-lo feito. Não foi preciso.

Wayne Kramer - Teenage lust (álbum "Back in the USA", MC5) - Uma banda de anarquistas, surgida em Detroit, só poderia dar no que deu: uma zona completa, muitas drogas, vida curta e discos memoráveis. Tive um edição original do ao vivo "Kick out the jams", que meu compadre Pelé, então atendente na cantina do São Vicente de Paulo, trocou comigo. Que fim levaram Pelé e o LP, não me perguntem - espero que estejam bem. Wayne, neste solo, brinca com as mesmas notas e faz uma manobra brilhante, que prova que era um tremendo guitarrista, apesar de todo o descompromisso do MC5. Depois passou anos vagando, sem fazer nada de expressivo, o que foi uma pena. Aliás, "Back in the USA" era um disco domesticado, embora seja excelente.

Mick Mars - Doctor Feelgood (álbum "Doctor Feelgood", Motley Crue) - A faixa por si só é uma pancada, contando a história do traficante que se dá mal. De traficante e de cocaína os caras entendem, mas a letra não é piegas nem moralista. Mick simplesmente arrebenta o vibrato da guitarra e quem viu os DVDs percebe que ele mantém a mesma pegada obtida no LP. É sensacional. No meio do solo ele empilha, de maneira até desorganizada, várias notas, algo que estava na moda quando o disco foi lançado. No final, ainda brinca com a técnica do tapping, à Eddie Van Halen, que era obrigatória para 10 entre 10 guitarristas da década de 80. Isso não torna o solo lugar-comum, apenas o deixa datado. E continua estupendo até hoje.

Tommy Bolin - Coming home (álbum "Come taste the band", Deep Purple) - Foi difícil para Tommy calçar os sapatos de Ritchie Blackmore, mas diria que ele fez mais do que dele se esperava. Imaginem se, no Led Zeppelin, tivessem de substituir Jimmy Page? Pois é, sentiram o drama? O Purple estava dando seu canto de cisne e, meses depois, foi enterrado sem honra nem glória - e Tommy morreu quase logo em seguida, de overdose de heroína. Tirando o aspecto trágico, de final de festa, Tommy era brilhante e duvido que Ritchie conseguisse fazer um solo sequer parecido. Tommy balançava, funkeava, tinha humor, o contrário de Ritchie, sempre compenetrado, britânico em excesso, adepto da formalidade. O que Tommy faz nesta faixa é de deixar muito guitarrista enlouquecido e deveria servir de estudo para quem realmente pretende se aventurar na seis cordas. Para minha felicidade, a versão publicada na remixagem especial que chegou no mercado brasileiro no começo do ano, é ainda superior. Foi encontrada e colocada na remontagem do LP original por Kevin Shirley. Tommy, não é por acaso, até hoje é motivo de culto. Ouçam, se puderem, a versão original e a remixada. Se não verterem uma única lágrima de emoção, é porque não sabem apreciar algo tão especial. Ou não escutaram direito.

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