quinta-feira, 14 de julho de 2011

Carne de pescoço

No jantar da presidente Dilma com líderes aliados e ministros, ontem à noite, tirou-se uma constatação dramática, feita por um dos convivas: nunca se votou tanto no Congresso sem levar coisa alguma. Ou seja: aquela pressão que havia, no governo Lula e no de Fernando Henrique Cardoso, para que as coisas andassem no Legislativo mediante barganha política, não funcionou no primeiro semestre. Estarão mudando as relações do Palácio do Planalto com a base?
Se estão mudando, já não era sem tempo. Desde a época de Roberto Cardoso Alves, no longínquo governo Sarney, que deputados e senadores entoam cinicamente o trecho da oração de São Francisco de Assis – o “é dando que se recebe”. Dilma mostrou, nos últimos dias, que sua gestão não será leniente com a esperteza e a corrupção, desfazendo a quadrilha encastelada no Ministério dos Transportes desde que Alfredo Nascimento ascendeu à pasta, em 2003. E apagou, pelo menos em parte, a impressão de que se estava diante de uma presidente refém dos malfeitos e hesitante, quando do período da demissão de Antônio Palocci.
Mas esses não foram os únicos acenos de que Dilma parece desejosa de imprimir uma nova marca no seu governo. A colocação de Paulo Sérgio Passos no comando do Ministério dos Transportes, à revelia do PR – que pretendia manter as torneiras abertas e o trânsito de Valdemar Costa Neto intacto –, bem como o anúncio de que Luiz Pagot não retorna ao DNIT – para irritação do seu padrinho, o senador Blairo Maggi –, fizeram a presidente ganhar pontos preciosos com a opinião pública.
Não se pode atribuir tais ações às ministras Ideli Salvatti e Gleisi Hoffman. Ainda que tenha havido a conversa a três, para juntas com Dilma chegarem à conclusão do melhor rumo a ser tomado, foi a presidente que deu a forma de intolerância com o malfeito de personagens que herdou do seu antecessor. Fosse em outras épocas, o PR teria conseguido emplacar a chantagem que chegou a ensaiar durante o processo de substituição da cúpula dos Transportes.
Outro aspecto interessante dessa nova postura foi o fato de o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ter vindo a público no exato instante em que Pagot insinuou que atendera algumas duas suas ordens. Bernardo, então ministro do Planejamento, deu uma dura resposta às indagações que a imprensa lhe fizera, deixando claro que não o levariam – e, por extensão, sua mulher, a ministra da Casa Civil – para o lamaçal dos corruptos. E ontem, depois que Pagot, emparedado, não disse nada que se pudesse aproveitar na audiência na Câmara, o ministro foi igualmente duro ao afirmar que “tinha certeza de que Pagot não mentiria”. Pela primeira vez, a chantagem é tratada com deve ser: com assertividade e sem eufemismos.
Claro que o segundo semestre não será um mar de rosas. Há vários assuntos de interesse do governo tramitando e para serem votados no Congresso. Mas é importante notar que, durante o recesso, haverá muitas conversas dos dois lados para reverem ou confirmarem posições. O recado que Dilma passou nos últimos dias não se resume ao PR; diz respeito também ao PT e ao PMDB, que têm maior poder de retaliação.
O aspecto positivo é que, pela primeira vez em muito tempo, os partidos estão diante de um interlocutor duro, que não está disposto a ceder à primeira exposição dos caninos.

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