terça-feira, 26 de julho de 2011

De volta às origens

Poucos sabem quem foi Vidkun Kisling. Pelo nome, inclusive, podem achar que se trate de algum indiano, um oriental. Não é. É norueguês. Mais precisamente: foi primeiro-ministro. Ainda mais precisamente: foi primeiro-ministro colaboracionista, quando da ocupação da Noruega pelas forças militares alemãs. Foi uma espécie de marechal Philippe Pétain, que também se deixou possuir gostosamente pelo pessoal de Hitler. Todos alegaram fraqueza diante de um inimigo tão poderoso, daí porque preferiram capitular e ficar ao lado do monstro.
Não é bem assim e a história já mostrou isso. Quem se entregou, o fez também porque em muito concordava com o nazismo. Foi assim com a Hungria, com a Romênia, com a Bélgica, com a Holanda. A Espanha e a Itália não precisaram, pois Franco e Mussolini desde muito cedo deixaram claro a conexão de pensamento com Hitler. Em Portugal, Salazar também não escondia as simpatias pelo ditador alemão.
Em todos esses países, a extrema direita existe, é forte e atuante. A semente do racismo, da intolerância, não vem de agora. O processo do capitão Dreyfuss, judeu acusado de traição, virou maravilhoso libelo de Émile Zola em favor da liberdade de culto, de expressão e de opinião. Quem leu Eu acuso sabe disso. Foi a primeira grande ação judicial marcada pelo anti-semitismo que se tem notícia. E foi na França, cantada em verso e prosa pela igualdade, fraternidade e liberdade revolucionárias.
Durante décadas, sobretudo aquelas que se seguiram à II Guerra, houve um esforço para apagar as profundas marcas que o nazismo deixou em várias sociedades européias. Até a Inglaterra se empenhou em calar seus admiradores de Hitler. Duas são as explicações para isso: o legado deixado pelo regime alemão, com cinco milhões de judeus mortos e outras centenas de etnias e grupos sociais igualmente assassinados; e África e Ásia ainda eram distantes, pois o fluxo migratório das ex-colônias não tinha se intensificado devido à miséria.
A França de De Gaulle se esforçou imensamente para erguer, no pós-Guerra, um muro entre ela e países que faziam parte de seu império. Ao tentar esmagar os esforços do Vietnã e da Argélia pela independência, mandava dois recados simultâneos. O primeiro, de que esses países deveriam continuar sob sua zona de influência econômica e prover-lhe sustento. O segundo, que seus habitantes jamais deveriam cruzar os oceanos em busca de uma condição de vida melhor na metrópole. As ações militares francesas foram, sobretudo, expedições punitivas.
A Noruega não tinha um império a sustentar, mas desenvolvera um país evoluído economicamente, desde muito cedo grande desenvolvedor de técnicas de exploração de petróleo nas águas geladas do Ártico e do Báltico. E tinha algo que encantava os nazistas, particulamente a Adolf Hitler: uma população imaculadamente branca, de pouquíssima miscigenação.
Não tinha a mistura que, por exemplo, era possível ser vista na Finlândia, cuja população tem traços vindos da Rússia e dos Países Bálticos. Assim como a Suécia, a Noruega vivia num semi-isolamento que a tornava única. A diferença é que o reino sueco tinha sérios problemas para sustentar sua população, que em parte expressiva migrou para a Dinamarca e, por extensão, para a Alemanha. Os noruegueses continuavam onde estavam.
Isso fascinou Hitler. A memória histórica, porém, é sempre curta. A Alemanha tomou a Dinamarca, fechou um acordo com a Suécia, contou com a estreita colaboração da Noruega – inclusive territorial –, firmou um pacto militar com a Finlândia e “deu” à antiga União Soviética os Países Bálticos (Letônia, Estônia e Lituânia) como “compensação” pela celebração do Pacto Ribbentrop-Molotov. Em todos esses países, a simpatia pelo nazismo continua grande, em grupos desorganizados, é verdade, mas com conexões para além das suas fronteiras.
Vários, inclusive, não se apresentam mais com a suástica. Desenvolveram não somente símbolos, como expressões que os identificam. Saem às ruas, veneram Hitler e vários deles sequer pertencem às etnias germânicas. Muitos são eslavos, gênero que o III Reich abominava e considerava tão sub-gente quanto os judeus. Mas esperar coerência desses personagens é pedir demais.
O massacre da Noruega apenas mostra que o país que professa a paz na forma de um prêmio tem seus esqueletos no armário, que a extrema direita não é algo tão desconhecido assim do universo norueguês. A história nem sempre se repete como farsa, mas habitualmente se repete como tragédia.

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