sexta-feira, 15 de julho de 2011

E por si move

O jornalista espanhol Juan Arias, do diário El Pais, escreveu recente artigo perguntando por que o brasileiro não se indigna com as várias denúncias de corrupção no governo e sai às ruas para mostrar sua insatisfação. Há que se entender o que é o “brasileiro”, esse ente abstrato que reforça a tese da docilidade e da afabilidade, tão enganosamente difundida aqui e lá fora. Somos, no entendimento obtuso de Arias, uma espécie de João Bobo, daqueles bonecos da nossa infância que são espancados com força, mas continuam de pé e sorrindo.
O “brasileiro”, o “povo” – como os petistas de carteirinha gostam de encher a boca e falar –, não faz nada sem que lhe aticem os sentidos. Acontece com o carnaval e com a festa de São Firmino, em Pamplona, na Espanha natal de Arias. Isso quer dizer que não há jamais uma reação espontânea a coisa alguma, mas sim uma promovida por alguém ou por algum grupo. O pessoal que está saindo às ruas na Síria está sendo movido por alguém ou algum grupo, instigado para defender a posição contrária ao debilóide Bashar Al Assad. Da mesma maneira que o ditador põe na rua sua claque, que respalda o regime de força e ri da miséria nacional com a boca prenhe de espaços vazios.
No governo Collor, os caras-pintadas foram uma reação à estupidez e à arrogância do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor. Quando ele gritou o “não me deixem só” e pediu que fossem à rua lutar contra o “sindicato do golpe” vestido de verde e amarelo, pediu a uma população irada com a traulitada tomada da enlouquecida Zélia Cardoso de Mello que o apoiasse. Impossível. Quem em seu estado perfeito de sanidade poderia apoiar um mandatário que acabara de bloquear a poupança de famílias inteiras, dinheiro usado para a emergência e para o laser? Ainda não chegamos ao estágio das ditas hienas, que supostamente fazem sexo uma vez por ano, comem dejetos e vivem rindo.
Evidentemente que o PT galvanizou essa irritação, essa indignação a seu favor e turbinou o movimento de derrubada de Collor. Aliás, vamos ser justos: não foi somente o PT. Foi Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa, grupos empresariais insatisfeitos com as loucuras do ex-presidente, políticos governistas oportunistas e uma gama de personagens da sociedade civil organizada. O resultado já se sabe de cor e salteado.
Quem resumiu bem foi James Carville, ex-assessor do presidente Bill Clinton: “É a economia, estúpido”. É a economia, Arias. Veja a Grécia, cuja população reage violentamente ao pacote imposto pelo FMI? Veja Portugal, que também vai às ruas para, entre outras coisas, protestar contra as finanças caóticas, o desemprego elevado e o rebaixamento por uma dessas consultorias ao nível “lixo” o ambiente de negócios do país. Veja a Itália, que teve de agir rápido para garantir à União Européia que sua economia é sólida, que seus bancos estão a salvo de ataques especulativos. Veja a Espanha, cuja população acampou na praça Puerta del Sol protestando contra o sistema representativo, depois de um catastrófico governo de José Luiz Zapatero no setor econômico.
O “povo” vai à rua quando seu bem-estar, seu poder de consumir, seu poder de poupar, seu poder de trabalhar, estão seriamente ameaçados. Do contrário, meu prezado Arias, todos continuam seguindo a vida, lamentando as denúncias de corrupção e pedindo a Deus para que um dia a luz chegue aos corações humanos. E isso não é privilégio dos brasileiros.

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