sexta-feira, 8 de julho de 2011

Peraí, Ellroy

O escritor americano James Ellroy acertou uma e errou outra, na Feira Literária de Paraty (Flip), no debate do qual participou. Na coluna do acerto está o fato de que qualquer idiota que tem hoje um blog se pensa escritor. Concordo em gênero, número e grau. O que tem de gente fazendo literatice, contando histórias que ninguém quer ouvir, experiências desnecessárias, não está no gibi. Geralmente são jovens, que não viveram coisa alguma da vida, mas acreditam que do alto dos seus 20 anos podem se equiparar a um Rimbaud, a um Thomas Hardy.
Fui jovem, fui pretensioso, mas nunca acreditei que aquilo que escrevi na flor da idade – para utilizar uma expressão que hoje poucos conhecem – ficaria como uma obra definitiva. Nem mesmo esses pensamentos que coloco aqui, no Potengi, tenho a impressão de que vão ficar. Amanhã ou depois, conhecendo como me conheço, posso achar tudo ridículo e me envergonhar profundamente do tempo que perdi escrevendo para ninguém.
Na coluna dos erros cometidos por Ellroy está no fato de que, ao dizer que nos Estados Unidos as pessoas ainda acreditam que o Brasil é um país de mulheres boazudas em trajes sumários, pouco trabalho, sol o ano inteiro e aquela alegria irritante que faz pensar que somos todos débeis-mentais, agrediu a tradição musical nacional ao citar a salsa como um ritmo nosso. E isso exatamente no dia em que morreu Billy Blanco, grande compositor, autor de maravilhas como Estatutos da Gafieira, A banca do distinto ou Tereza da Praia.
Prezado Ellroy: a salsa NÃO é um ritmo brasileiro. É cubano, portorriquenho... enfim, estamos a milhares de quilômetros da sua origem. Alguns dos seus expoentes são Miguelito Valdez, Willie “El Malo” Colon, Hector Lavoé, Tito Puente, Célia Cruz e outros que ou migraram para os EUA, ou nasceram em El Barrio, o Bronx latino de Nova York, ou ainda são da comunidade latina da Flórida. Para um escritor do peso de Ellroy, que teve de pesquisar as décadas de 30 e 40 para escrever Dália negra, com base num assassinato não esclarecido em Los Angeles, tal ignorância assusta.
E por que me irrito com o lapso de Ellroy? Porque não é incomum os americanos ainda dizerem que aqui é o Rio de Janeiro e a capital é Buenos Aires. Não sabem, ou fingem não saber, que é Brasil, capital Brasília. É como se chamássemos o presidente deles Obama Bin Laden e achássemos que Washington é somente a DC, do District of Columbia. Ignorância tem limite.
Fica parecendo que por mais que o Brasil avance na economia, que existam relatórios que sugiram o apoio dos EUA às nossas pretensões de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, somos eternamente equiparados a Bangladesh, ao Chade. E fico igualmente impressionado com a incapacidade do brasileiro em não reclamar de tais equívocos. Nessas horas, parece que nossa “alma gentil” se manifesta e silenciamos reverencialmente às batatas que nos são atiradas.
Ellroy é um escritor razoável, nada mais do que isso. Comparado a alguns daqueles que consolidaram a literatura americana de thriller, não tem vaga no clube. Dashiell Hammett, Patrícia Highsmith, Carson McCullers, Graham Greene, Raymond Chandler, ou roteiristas como Dalton Trumbo e Ring Lardner Jr., talvez se sentissem incomodados com a presença de Ellroy na sala. Admito que todos esses que citei ainda acreditassem que o Brasil era um país com cobras andando sobre o asfalto e índios dando flechadas naqueles que desembarcam no aeroporto. Afinal, há 40, 50 anos, éramos realmente uma imensa massa de terra ao sul do Equador, apesar de toda a nossa tradição cultural, desconhecida pelo Hemisfério Norte. O mundo era de uma ignorância brutal, pequeno e ainda respirando os últimos ares do colonialismo e do imperialismo.
Já faz pelo menos 20 anos que o Brasil entrou no mapa-múndi. E não foi pela janela da bizarrice.

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