quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Livros e música: poucos

Cresci numa família de poucos livros e pouca música. Meus pais sempre foram trabalhadores, embora um tanto obcecados pela aposentadoria. Questão de geração. É, pode ser. Reconheço que, desde cedo, os dois tiveram uma vida dura: um, filho de um taxista/gesseiro com uma dona de casa; outra, filha de um modesto comerciante de tintas com uma costureira esforçada. Ainda assim não entendo, nem entenderei, a vontade dos velhos de pendurar as chuteiras precocemente.
Melhoraram de vida quando os filhos se foram. Dois casaram e se descasaram e um continua casado. Para a vida eterna? Não se pode apostar nisso. A vida empurra a gente para vários lados. A casa, que antes tinha cinco, passou a ter dois. Três, se for considerado Zezinho, o gato. Dois e 1/3 talvez seja mais justo, mesmo porque Zezinho, se os cálculos para idades de gatos estiverem certos, já passou dos 100 anos. Mas está com corpinho de 25.
Os livros começaram a entrar pelo Círculo do Livro. Foi por ele que li “Os 10 dias que abalaram o mundo”, “Arquipélago Gulag”, “Duce – Ascensão e queda de Benito Mussolini”, “Treblinka”, “Por dentro do Terceiro Reich”. Seus autores: John Reed, Aleksandr Soljenisin, Richard Collyer, Jean-François Steiner e Albert Speer. Nomes que a gente guarda não somente porque marcaram a alma com seus escritos, mas sobretudo pela tenra idade. Na adolescência, se guarda tudo.
A grande maioria dos livros do Círculo era de documentários, livros históricos. Para não brigar com meu pai, que pagava a conta. Romances e contos vieram depois, bem depois.
Cheguei a ter uma bela biblioteca, que custou cerca de R$ 1,2 mil quando precisei de dinheiro. A sobrevivência falou mais alto. A má vontade dos meus pais com os livros também. Acham que livro, na quadra da vida em que estão, é um monte de papel sem proveito. Uma pena. Lamento ter sido obrigado a passar nos cobres, pouco depois que meu filho nasceu. O que me acalenta nesse episódio é que muito do que tinha eu já havia lido. “Judas, o obscuro”, de Thomas Hardy, “O alimento dos deuses”, de HG Wells, ou “O momento supremo”, de Stefan Zweig, são experiências inesquecíveis que do sebo vieram e ao sebo retornaram.
Disse que a casa dos meus pais era de pouca música também. Embolsava o dinheiro da merenda para comprar discos, LPs. Tinha uma loja em Icaraí, na minha Niterói natal, chamada Stop, quase na praia. Era a grande loja, com as novidades. Foi nela que comprei o “Moving pictures”, do Rush, que tenho até hoje. De lá veio também meu “Difficult to cure”, de uma fase do Rainbow que muita gente abomina. E outros vários, mas esses dois me lembro bem. Até hoje, quando passo em frente à loja, vejo a Stop, embora já tenha se tornado, há anos, uma imobiliária.
Depois foi o tempo da Center Sound, de Zé e sua barba de séculos. Ninguém jamais viu Zé sem barba, embora tenha ficado sem ela uma vez, pelo que me lembro. Meus primeiros LPs com ele foram um “Journey to the centre of the Earth”, de Rick Wakeman, e um “Look at youself”, do Uriah Heep. Ambos discos usados, que também negociava. Foram caros, pois estavam fora de catálogo. Dos dois, apenas o do Heep eu ainda tenho, assim mesmo na versão CD.
Lá pela primeira vez ouvi “Ace of spades”, do Motorhead. A aparelhagem de som era ótima e empurrava duas megacaixas de som, que eram excelentes e cristalinas. Me lembro que Zé abriu o gás no volume de um amplificador Sansui (ou Marantz, não tenho certeza; ou ainda Technics). Pela primeira vez ouvi Motorhead como deve ser ouvido.
Alguns discos tive mais de uma, duas vezes. “Made in Europe”, do Deep Purple, tive pelo menos dois, pois o primeiro que comprei estava empenado. O mesmo aconteceu com um “Electric Guitarrist”, do John McLaughlin. Ambos vindos da Stop. Deixei de comprar lá porque não tinham cuidado com o produto. Logo depois a loja fechou. Não tenho nada a ver com isso, por favor.
Dos meus discos eu não me desfiz. Tinha e ainda tenho um quarto só para eles e para os CDs. De vez em quando ainda vou ao sebo, compro uma coisa ou outra. Teve época que eu tirava um dinheiro do orçamento só para isso. Graças a Deus minha ex-mulher não implicava. Tinha vários defeitos, mas esse, não.
Tentei acreditar que meu pai um dia gostaria de livros ou de música. É um leitor de jornais, mas de livros, não. Insisti com ele no ramo dos arranjos e orquestrações, mas ele não deu muita pelota. Tentei apresentar-lhe coisas diferentes: Wayne Shorter, Gary McFarland, Stan Kenton, três nomes que aprecio muitíssimo no jazz. Acho que o único CD que consegui emplacar foi uma coletânea de Harry James que tinha algumas coisas da época do swing. Fora isso, mais nada. Não se abalou muito com o material que lhe ofereci.
Minha mãe não liga para nada disso. Ocupa-se com televisão e palavras cruzadas. Não é muito. Lembro-me, quando era menor, que ela cantava, que gostava. Não sei se a velhice fez com que perdesse o viço e a vontade. Eu lamento que o passar dos anos não tenha feito bem a ela.
Enfim, é a vida. Sei que não é a maneira mais brilhante de terminar um artigo, mas não vejo outro jeito além de cair no lugar comum. Como a vida, que é cheia de lugares-comuns.
  

Um comentário:

  1. Pouco, comparando com a nossa sofreguidão por esses 2 itens culturais. Confesso que aqui em BH estou lendo um pouco mais do que no RJ; Talvez por não ter um dodge para lavar, nem ter podido trazer os meus CD's, DVD's, MD's DAT's...
    As escolhas sobre o que ler é muito pessoal, bem como a quantidade. Eu particularmente leio literatura brasileira, ficcional ou não. Agora mesmo estou lendo a biografia dos Matarazzo, por Ronaldo Costa Couto. As biografias, para me atrair, devem ser de alguém que fez alguma coisa, de ruim ou de bom. Eu mesmo li o "Corações Sujos" teu, que é um puta livro.
    Quanto a música, os gostos variam com o tempo. Confesso que não consigui ouvir inteiro o disco "Scream" do Ozzy, te tanta compressão que colocaram no estúdio. Curiosamente, aqui em BH e perto do trabalho existem excelentes lojas de discos (LP e CD). Achei, por exemplo, um documentário do album "The deep end", do Gov't mule; O LP "THe hard Way" do Point Blank, entre outros...
    Papai ouve sim mais música que mamãe, mas ele não tem mais a paciência de prospectar discos e novos artistas; até porque esse gosto deles é de 20 anos para cá.
    Você, na idade deles, teria a desenvoltura de hoje, os mesmo gosto ou ímpeto por novos sons?

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