terça-feira, 11 de outubro de 2011

Eu gosto do cara sim

Da maneira como escrevi aqui ontem, meus poucos seguidores pensarão que eu odeio o Ritchie Blackmore e que fiquei absolutamente feliz com a saída dele do Purple, tanto nos anos 90, quanto nos 70. Não é verdade. Embora admita que ele é insuportável (não o conheço pessoalmente, mas de relatos pela imprensa e pelas notas nos discos), considero-o brilhante. Para mim, ele é, ao lado de Jimmy Page e Tony Iommi, o maior guitarrista do rock pesado, hard rock ou coisa que o valha. Todos os que vieram depois, vieram por causa desses três.
Ouvi Blackmore pela primeira vez quando tomei um susto na abertura de Deep Purple In Rock. Um disco absolutamente estupendo, com inúmeras variações e que merece ser ouvido por todo aquele que considerar que conhece algo de rock. A partir daí, fiquei siderado pela sonoridade da banda, que era indubitavelmente direcionada por Blackmore e por Jon Lord, no órgão. Atrás, Ian Paice fazia a cama, ora com baixistas mais sólidos (como Roger Glover ou Nick Simper), ora com mais exuberantes (Glenn Hughes).
Seguiu-se Made in Japan, que considero o melhor álbum ao vivo de rock gravado até hoje. O meu ficou fino de tanto ouvir. Blackmore estraçalha com solos brilhantes e precisos, embora, com o passar do tempo, eu percebesse que sua criatividade se resumia aos mesmos toques, às mesmas citações. Não sei se estava de saco cheio ou se preferia a segurança de fazer aquilo que a plateia esperava dele. No primeiro caso ou no segundo, não tiro sua razão: ser criativo noite após noite pode ser perigoso; uma jornada menos inspirada e o show se torna uma tragédia.
Comecei a pesquisar mais sobre Blackmore e sua aversão por participação em discos alheios e as várias bandas que formou. Considerando que, no começo, o Purple era um ajuntamento em que dois músicos estavam claramente abaixo do que se fazia na época - enquanto o Cream e Jimi Hendrix haviam aumentado o volume e o Led Zeppelin levou o blues às últimas consequências -, tratava-se de uma banda que começava a ficar para trás, fazendo um som que os próprios Beatles já tinham feito. Shades Of, The Book of Taliesyn e Deep Purple mostra um time de músicos correto, nada mais que isso.
Foi por causa de Blackmore que a banda mudou. Com Simper e Rod Evans, convenceu Paice e Lord que não iriam muito longe. Vieram Ian Gillan e Roger Glover, bem superiores aos antecessores, sobretudo e matéria de musicalidade. Prova é que estão aí até hoje, enquanto que Evans sumiu e Simper ressurge em shows esporádicos.
Concert for Group and Orchestra é o chamado "ponto fora da curva". Uma intervenção classicosa de Lord, com aquiescência de Blackmore. Mas, já nessa época, se sabia que não era o futuro do Purple. Há registros em Mono e de rádio que mostram uma banda mais agressiva, já apontando na tendência que o Zeppelin despontava. E que seria potencializada pelo Black Sabbath e confirmada pelo Uriah Heep. A diferença é que enquanto o Zeppelin resgatava muito do blues e do folk, com várias obras acústicas, o Purple trazia o panorama do erudito para dentro do terreno elétrico.
Depois do já citado In Rock, vieram a seguir Fireball, a obra-prima Machine Head, Made in Japan e Who do You Think We Are, que mantêm uma regularidade estupenda. Uns mais felizes, outros menos, mas igualmente imperdíveis.
À saída de Gillan e Glover segue-se a vinda de David Coverdale e Glenn Hughes, que apesar da cultura funk e soul, agregam mais peso à banda. Burn e Stormbringer são discos fabulosos, dentro da nova direção do Purple. Mas quem ouvir os registros ao vivo - como o formidável Live in London ou Made in Europe, ou ainda o imperdível Live at California Jam -, perceberá que alguns pruridos foram deixados de lado. Sobretudo, a banda toca sem medo de errar, sem querer ser certinha demais. Há espaço para mancadas, para notas fora do tom, para mais improvisos, para desafinos.
Mas, mesmo assim, Blackmore parecia cansado do Purple. Alegando divergências musicais, pegou as coisas e foi embora. Arregimentou uma banda pronta, o Elf, e lançou aquilo que, a princípio, seria um álbum solo, Ritchie Blackmore's Rainbow. Já no segundo LP montaria a banda que pretendia, convocando sobretudo o pesadíssimo Cozy Powell para a bateria. Rising é tido como um dos melhores discos de hard rock de todos os tempos. O mesmo time é o responsável por On Stage, igualmente um belo disco ao vivo, que curiosamente traz uma canção da fase Coverdale-Hughes - o bluesaço Mistreated. Nada de Smoke On The Water, Highway Star ou Child In Time.
Long Live Rock'n'roll é o canto do cisne de uma banda imprensada entre o respeito e o reconhecimento e a falta de dinheiro. Discos ótimos, mas que não penetravam no formidável mercado norte-americano. Elementos pop foram agregados à nova formação - sai Ronnie James Dio, entra Grahan Bonnett; sai David Stone (que já substituíra Tony Carey e Mickey Lee Soule), entra Don Airey; Powell permanece; e volta Glover, bem sucedido produtor, na vaga de Bob Daisley (que assumira o posto de Jimmy Bain e Gary Driscoll). Down to Earth, se não é um disco brilhante, é palatável.
E o Rainbow foi de trabalho aceitável em trabalho aceitável, sempre trocando formações (Powell abriu espaço para Bobby Rondinelli, que o cedeu a Chuck Burgi; Airey foi trocado por David Rosenthal; Bonnett deu a vaga a Joe Lynn Turner) até o fim, para uma volta ao Purple que tinha tudo para não dar certo.
Menos do ponto de vista comercial do que pessoal, ressalte-se. Perfect Strangers foi um sucesso de público e de crítica, provando que a marca Deep Purple ainda era forte 10 anos depois. Pessoalmente não acho que seja um grande disco, porque não é Purple, não é Rainbow, não é Whitesnake (o filhote de Coverdale, onde Lord e Paice passaram alguns anos). É uma outra banda, que não resgata o som dos anos 70 nem faz algo que seja dos anos 80.
Tudo parece sem graça e os discos seguintes apenas comprovaram isso. Até que Blackmore, mais uma vez de saco cheio, vai embora Tenta reeditar o Rainbow (Stranger in all us é simplesmente péssimo), mas dá errado. Uma banda americana de aluguel apenas correta não consegue reeditar o êxito que, anos atrás, ele conseguira por meio do Elf, que apresentou Ronnie James Dio ao mundo.
Blackmore ao menos tem a honestidade de não sustentar um cadáver insepulto, coisa que o Purple é atualmente. Lançou o Blackmore's Night com a mulher, Candice Night, e fazem uma música insossa, insípida e inodora. Jamais me dei ao trabalho de ouvir qualquer desses discos porque acho que não acrescentam nada.
Mas concordo com Blackmore num ponto: se a música o agrada, é o que ele pretende fazer, que vá em frente, por mais que eu lamente. Como lamentei a música híbrida, ultrapassada, que o Purple vinha fazendo antes de ele sair. O som da Fender Strato de Blackmore soava datado, com o ranço de anos antes. Uma opção feita por alguém rigorosamente avesso a mudanças, a novas sonoridades. Da mesma forma como ele sempre tocou em quinteto, com a formação voz-guitarra-teclado-baixo-bateria. Não optou por trio, quarteto ou mesmo quinteto ou sexteto com uma seguinda guitarra. Isso representa que Blackmore resumiu de tal forma suas opções que pouco restou.
Mas se esse mínimo o agrada, nada a opor ou reparar. Sobretudo porque é honesto.

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