terça-feira, 18 de outubro de 2011

O tiro fatal

O delator é sempre uma figura desprezível. No Brasil, é chamado de dedo-duro, aquele camarada que aponta o indicador para alguém. Esse é o nome mais comum. Menos conhecida (e pertencente ao jargão policial) é a alcunha de alcaguete (fala-se "alcagoete"), que por ser uma palavra difícil acabou se tornando cagueta (ou "cagoeta", agora que extinguiram o trema). Nos Estados Unidos, é "snitch" ou "rat", o cara que dá com a língua nos dentes.
Independentemente de classificações, o delator não se torna um por nobreza, firmeza de caráter, decência. Torna-se delator porque teve o interesse contariado ou porque está se protegendo, na briga entre os bandidos. Contra-ataca com a arma da informação, cuja capacidade de destruição equivale a uma bomba atômica, se bem aproveitada. Nada mais apetitoso que uma informação privilegiada, para o bem e para o mal.
O tal PM que está acusando o ministro Orlando Silva não pode ser medido pela envergadura moral. Da forma como ele relata, estava na jogada também para se beneficiar. A diferença é que, pelo jeito, começaram a cobrar dele uma porcentagem alta demais, que lhe diminuiria os lucros.
Pelo que pude compreender, foi negociar. Quando viu que não tinha jogo e o outro lado ia forçar a barra, colocando-o contra a parede para fazê-lo se ajoelhar, contra-atacou. E avisou que se fosse prejudicado, iria contar o que sabe.
Questões de ombridade não entram nessa discussão. O que há é uma briga de quadrilha, pura e simplesmente. Mas nem por isso se pode desqualificar o PM, tampouco menosprezar as acusações que faz. São graves e devem ser apuradas. Dizer que ele é um desclassificado e que não deve ser levado a sério não passa de "manobra diversionista", para usar um jargão bem ao gosto dos comunistas, neo e da velha guarda.
O PM já disse que tem provas e jamais duvidei disso, pois quem faz uma acusação dessas tem que ter algo a mostrar. Mas minha dúvida passou a ser sobre a contundência dessas provas. Quando ele confessou que o tal Fredo Ebling foi que relatou que entregava dinheiro ao ministro, torci o nariz. Para a Justiça, ouvir falar não quer dizer coisa alguma. Mesmo porque, quem lhe relatou essa história pode perfeitamente negá-la, dizer que estava brincando, sacaneando...
Acho que Orlando Silva cai de qualquer forma, provando ou não as acusações que lhe são imputadas. Já ficou a aura de que algo existe de errado e que, no mínimo, ele sabia. Isso não dá para ser desmontado. Houve alguém que se levantou e apontou-lhe o dedo. Para um ministro de estado, um gesto desses é fatal, sobretudo depois que vários dos seus semelhantes seguiram o caminho da roça. Sejamos justos aqui: contra eles, havia provas em excesso de que estavam envolvidos em malfeitos.
Dilma herdou Orlando de Lula e o ministro lutou muito para permanecer no cargo. Ficou apesar de - dizem - a presidente ter cedido a contragosto. O mais provável é que, na reforma ministerial de fevereiro - que cada vez se concretiza mais -, desse a vez a alguém que Dilma queria realmente ver ministro do Esporte. Por enquanto, goza da confiança desconfiada da presidente, que já está se acostumando a ser surpreendida pelo tanto de desonestidade daqueles que foram indicados pelo antecessor e padrinho.
Orlando vai cair, sem nenhuma dúvida. Respondeu porque não se pode simplesmente ouvir calado uma acusação dessa magnitude. Mas está maculado, manchado, desgastado, e isso com Dilma é fatal. A pá de cal pode vir no próximo final de semana, com a nova edição da Veja.
Ou vocês acham que a revista iria dar um único tiro, acreditando que acertaria em cheio? Feriu Orlando gravemente sabendo que, dependendo da resistência política do ministro, sobreviveria à primeira semana pós-denúncia. Vai enterrá-lo com o tiro fatal na tarde do próximo sábado.

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