quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Segunda rodada dos bateras

Atendendo ao pedido do meu irmão, que me pede para fazer um segundo tempo sobre os bateras, vou comentar os caras que ele sugere. São fabulosos, evidentemente, mas não diria que compro disco por causa da presença deles. Tenho vários CDs e LPs em que aparecem, mas por mero acaso. Alguns têm até carreira-solo expressiva, com coisas interessantes, mas repetitivas. Ainda assim, vale a pena ouvi-los.

Carmine Appice - O cara já mandava muito no Vanilla Fudge (aliás, vale a pena correr atrás de um disco que gravaram faz uns cinco anos ou mais. Exceto pela presença do Mark Stein, estão no grupo o Tim Boggert e o Vinnie Martell). Depois, continuou "esplanando" (como diz meu camarada Evandro) no Beck, Boggert & Appice, veio o Cactus e mais meio mundo (Ozzy Osbourne, King Kobra, Blue Murder). Aliás, acho o trabalho dele no primeiro disco do Blue Murder impecável. É o típico batera de hard rock dotado de técnica e bom gosto. Não exagera e dá umas baquetadas que fazem a diferença. 
Steve Smith - Ouvi esse cara pela primeira vez no Enigmatic Ocean, do Jean-Luc Ponty. Depois, no Con Proby, do Focus, e quando percebo já estava no Journey. Pegou uma fase ótima da banda, talvez a mais criativa desse que é o expoente máximo do hard farofa (mas muito bem feito). Aí, como ele mesmo disse numa dessas revistas baba-ovos, voltou ao jazz, sua primeira praia. É um senhor batera. Mas muito além dos discos que gravou com Frank Gambale e Stuart Hamm, ainda me impressiona a levada de Don't stop belivin', que abre o Escape (Journey), ou Wingless, do Con Proby.
Dave Weckl - What I might to say... Brilliant, but boring. Todo cara um dia que ser David Weckl, com aquela técnica avassaladora. Mas o problema disso é que chega num ponto que se torna chato. Notas demais, domínio demais. Já disse uma vez sobre o Whitesnake: não discuto que Reb Beach e Doug Aldritch sejam excelentes, mas que saudades de Bernie Marsden e Micky Moody - e como esses dois tocam bem, dentro do que pede a música. Pois é: virtuoses são legais até que a gente acha que são atração de circo. Ouvi David com Chick Corea, com Michel Camilo, em álbum-solo (que são muito bons, desde que não ouvidos com menos de seis meses de diferença) e, confesso, me enchi dele. A bateria soa sempre igual, as composições são sempre parecidas. Entrou em período sabático comigo. Faz tempo que não o ouço. E acho que vai levar um tempo mais.
Simon Phillips - Soube da sua existência pela primeira vez no primeiro disco de Michael Schenker, para o qual Roger Glover reuniu uma cozinha de arrepiar (com Mo Foster no baixo e Don Airey  nos teclados, ou seja, caras com feedback de fusion). Depois, ouvindo o Sin After Sin, do Judas Priest, Simon está lá de novo, arrebentando e preparando o terreno para a entrada de Les Binks nas baquetas. Volto a ouvi-lo numa das faixas de Before I forget, álbum-solo do Jon Lord feito pouco antes de deixar o Whitesnake para voltar ao reencarnado Purple (procurem por Bach onto this). Foi assim, exporadicamente, que eu o ouvia. Até quem um dia encontrei um disco dele, publicado no Brasil, numa dessas lojinhas que a gente entra por desencargo de consciência. Chama-se Symbiosis e é muito bom. Tempos depois, meu irmão me deu um ao vivo dele, igualmente legal. E parei por aí. Não quero cometer o mesmo erro que cometi com outros virtuosos, o de sair comprando tudo que fazem. Você se enche. Tem que ser seletivo.
Dennis Chambers - Caso igual ao de Simon e David. Toca pra cacete. Tenho gravações do cara tocando com Gonzalo Rubalcaba, John McLaughlin, Bireli Lagrene-Dominic diPiazza e por aí vai. Mas o disco que mais gosto dele é o Guitar Heaven, com "don" Carlos Santana. O pau quebra com Raul Rekow e Carl Perazzo nas versões de músicas do Zeppelin, do Purple e até do Def Leppard. Foi lançado agora e é facílimo de achar. Melhor disco do Santana em, pelo menos, 20 anos. Bom para o Dennis, que ainda não entrou para a lista dos caras que tenho de ouvir de ano em ano.
Por fim: li em algum lugar que o Santana fez a cagada de botar a mulher dele, a Cindy Blackman, no lugar do Dennis. Para quem não se lembra, ela era aquela baterista enlouquecida do Lenny Kravitz. Uma bosta fazendo música de merda.
Se ainda fosse a Terri Lynne Carrington, que toca pra cacete, no lugar do Dennis, vá lá. Mas a Cindy é uma tremenda enganadora. Parece o Kenny Aronoff, que distribui muita porrada (e tem uma puta moral). Só que, como quem manda é o maridão, vamos ter que aguentar a Cindy descendo a mão sem muita técnica em três rides K Zildjian (18, 20 e 22 - nem na medida ela é original) e espancando uma daquelas Gretsch que é sonho de consumo de muito batera.
Kiko Freitas - É só ouvir o Obrigado, gente, do João Bosco, ou assistir ao DVD do mesmo show. Manda muito, apesar da cara de professor de Física de colégio secundário. Na banda com Ney Conceição e Marçazinho, ele arrepia. Tem trabalhos-solo que ainda não tive a sorte de ouvir. Mas colocaria Kiko no rol dos grandes bateras contemporâneos de jazz. 

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Meus 10 mais

Adoro essas listas de 10 mais. Há quem diga que faça análises para justificar seus escolhidos, mas não creio que seja nada disso. As coisas se baseiam em gosto, puro e simples. Sobre discos, por exemplo: há quem diga que pegou tal LP porque foi influente, porque mudou isso ou aquilo. Acho a maior conversa fiada. Pegou porque gosta, ora. Mas confessar isso é complicado.
Poucos sabem que toco bateria. Tenho na minha casa um instrumento profissional, daqueles que muitos que vivem da música talvez gostassem de ter. Montei-o ao longo dos anos e considero que, agora, estou com o kit ideal. Não vale à pena descrevê-lo, mas entro nesse assunto para fazer minha lista dos 10 maiores bateristas de todos os tempos.
Não vai aqui qualquer daquelas cascatas sobre influência sobre os demais, importância para a música etc. Entra aqui o gosto, a impressão de tê-los ouvido pela primeira vez, o quanto tenho deles na minha coleção de discos, seja em LP ou em CD. É pura "gostologia". Se fizerem parte de outras listas de 10 mais baseadas em profundas análises, em estudos musiciais e antropológicos, para mim pouco importa - é mera coincidência. Minha escolha é por predileção, nada mais.
Mesmo porque, esse blog é meu e ponho aqui quem eu quiser. Em tempo: a ordem não quer dizer que fulano é primeiro e sicrano é último. São apenas 10 nomes e pouco importa a posição deles no ranking, que, nesse caso aqui, não existe.

John Bonham - Ouvi-o pela primeira vez no Presence, meu primeiro de todos os discos e um dos últimos do Led Zeppelin. Nem preciso ficar versando aqui sobre a técnica do cara. Não acho, porém, que seus solos sejam de tirar o chapéu, mas, no conjunto da banda, é insubstituível. Gosto imensamente do seu trabalho de estúdio e, principalmente, sua criatividade. O fato de tocar alto tornou-se uma marca porque simplesmente a bateria era muitíssimo bem equalizada.

Ian Paice - O que me chamou a atenção desse cara é que comecei a tocar bateria por causa dele. Seu solo no Made in Europe continua sendo, para mim, grandioso e me levou ao curso. Paicey constumava se superar nas apresentações, pois no estúdio, para mim, avaliando hoje e desapaixonadamente, era correto. Nada muito avançado, embora de extremo bom gosto e apurada técnica. Tendo a achar que, nos últimos anos, tornou-se preguiçoso, perdendo boa parte daquela exuberância dos primeiros tempos do Deep Purple. Não vejo sua passagem pelo Whitesnake ou com Gary Moore como pontos altos, tampouco com essa encarnação mais recente do Purple.

Tommy Aldridge - Foi o cara que influênciou 10 entre 10 bateristas que se metem a tocar com os dois pés. Seu trabalho com dois bumbos é insuperável até hoje. Seus solos são formidáveis, espetaculares. Desde os tempos do Black Oak Arkansas sua forma de tocar chama a atenção. Foi ouvindo-o que aprendi a "matar", no tempo e no tempo adiantado, o som do prato. Tenho um show gravado com a banda em que eu tocava (meu irmão foi o cinegrafista) em que uso e abuso desse recurso. Não é nada tão difícil, mas impressiona. Quanto mais não seja, porque é algo que poucos utilizam.

Billy Cobham - Quando ouvi Spectrum, seu primeiro álbum-solo, pela primeira vez, o que me impressionou é que o cara transita na linguagem do jazz e do rock com a mesma facilidade. Também foi o primeiro cara que vi tocando "aberto", ou seja, os pés na posição de destro e os braços, na de canhoto. Prova que começou como auto-didata, aproveitando a posição que lhe parecia mais fácil. Foi o primeiro batera também que vi compondo. Seus discos, vários, comprovam que percussão não é algo menor. Além disso, me impressionou pelos solos, sempre abertos e variados, utilizando todos os (vários) elementos do seu instrumento.

Neil Peart - Comecei com esse cara ouvindo o 2112, que arrebentou no Brasil. Foi o primeiro disco do Rush com o qual tive contato. Depois, na casa do meu camarada Velório (já falei dele aqui), conheci os demais. Muita gente falava de Carl Palmer, mas acho Neil, desses bateras que "vestem" a bateria, o mais impressionante de todos. Pela técnica, pelo bom gosto, por ser o responsável direto pelas mudanças do Rush de disco para disco. Imaginem se o batera ainda fosse o John  Rutsey, do primeiro disco? A banda não tinha ido tão longe. Além disso, se você escuta caras como Mike Portnoy ou Vinnie Paul, escuta por causa de Neil.

Tony Williams - Esse entrou na minha vida quando eu já estava mais maduro. Quando escutei suas conduções com Miles Davis, disse: esse cara quebra tudo. Simplesmente não seguem um padrão normal. Tony conjuga tão maravilhosamente bem todos os elementos com uma bateria mínima, que a gente chega a ter inveja dele. Gravou poucos discos-solos, todos de ótima categoria. Brinca com o jazz e com o rock com tranquilidade semelhante a de Billy Cobhan, mas acho que, na primeira seara, Tony está além, enquanto Billy fica num patamar acima na segunda. Além disso, Tony não tinha medo de descer a mão, ouvir pratos e tambores em toda sua exuberância. Técnica é muito legal, mas paixão pelo instrumento é mais bonito ainda.

Buddy Rich - É um verdadeiro motor de big-bands. Não chega a ser um condutor criativo, que se afasta do convencional, mas, quando entra no solo, aí temos que prestar atenção. Seu domínio do instrumento é simplesmente perfeito. Sabe exatamente onde cada tambor ou prato está; não dá uma única baquetada nos aros ou chega nos pratos erradamente. Impressionante. Tenho vários dos seus discos-solo, pilotando grandes bandas. Acho que passou por um período de menosprezo porque os críticos e entendidos achavam que somente os bateristas negros eram grandes. Imensa bobagem; Buddy tem um disco com Max Roach que mostra que esse torço de cor é uma monumental idiotice. E se caras como Elvin Jones, Philly Joe Jones, Max, Gene Krupa, Shelly Manne, Jack DeJohnette, Roy Brooks e outros monstros do jazz não entram aqui, é porque considero que Buddy os representa com maestria.

Deen Castronovo - É, para mim, o discípulo mais aplicado de Tommy Aldridge. É rápido, tem uma técnica brutal, toca maravilhosamente com dois bumbos e vai nas mais distintas direções. É capaz de ser pesado com Marty Friedman e o GZR, e chegar ao heavy pop do Bad English e do Journey com a mesma tranquilidade.

Cozy Powell - Ouvi esse cara pela primeira vez na mostruosa abertura de Stargazer, do Rising, segundo álbum do Rainbow. Impressionante aquela combinação de caixa com os dois bumbos, que até hoje tento imitar e não consigo (pelo menos com a mesma perfeição). Quando deixou a companhia de Ritchie Blackmore, todos pareceram tê-lo descoberto. Está no primeiro disco de Robert Plant, Pictures at eleven, e rolou até o papo de que entraria na vaga deixada por John Bonham, no Zeppelin. Depois tocou com Michael Schenker, Black Sabbath, Gary Moore, Greg Lake & Keith Emerson, Whitesnake... A lista é imensa e prova como Cozy foi um dos maiores bateristas "on demand" dos anos 80/90, no rock. Antes disso tudo, fizera dois excelentes discos com o Jeff Beck Group. Morreu bestamente, por causa da paixão que tinha pela velocidade. Impressionava também seu kit de bateria, com aqueles bumbões de 26 polegadas, fosse com a Ludwig ou com a Yamaha. Um dos caras de que mais gosto.

David Garibaldi - Soul music é com ele. Claro que ele escutou tudo de Jabbo Sparks ou Ziggy Modeliste, da banda de James Brown, mas David elevou isso à 10ª potência. Os arranjos da Tower of Power são verdadeiros desafios, cumpridos por ele com uma precisão que parece serem fáceis aquelas paradas, pausas, atrasadas ou adiantadas no ritmo. O toque seco de David, com filigranas que deixam clara sua imensa técnica, é como peça de fina relojoaria.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Da conservação das coisas

Já disse aqui, não sei quando, que na viagem que fiz à Suíça, ano passado, um parafuso caiu da minha cabeça. Antes de sair daqui, contei ao meu compadre Jorge Eduardo que, se desse, traria um relógio "nacional". Uma noite, depois de um jantar em Basiléia, andando nas proximidades do hotel, encontrei um antiquário de relógios. Me esquematizei para, no dia seguinte, trazer de lá um exemplar. Tudo deu certo e foi o que fiz.
Fui com um e voltei de lá com três exemplares. O terceiro, comprei no freeshop de Munique. Nada tão espetacular assim: dois Tissot, um comprado em Basiléia, outro na Alemanha. Ainda tenho ambos; o relógio que fui, dei para meu irmão - é um honestíssimo Orient.
Pois desde então, eu e meu irmão temos trocado figurinhas sobre relógios. Dei para ele mais dois (um Rado modelo President, suíço [bela marca, diga-se]; e um Festina, modelo Multifunction, alemão de máquina japonesa, que comprei zero bala na Vivara), que hoje já tem uma coleção tão boa quanto a minha. Mas, é claro, temos nossos sonhos. E é gostoso falar sobre isso.
Ele ficou fissurado pelos Omega Railmaster, modelo que, hoje, é difícil de encontrar. Não é barato e alguns chegam a preços exorbitantes. Para quem não conhece, seu rival direto é o Rolex Milgauss, igualmente difícil de achar e, claro, caro (Rolex barato não existe). Hoje mesmo, trocando e-mails, me falou sobre o Omega Ranchero, fabricado durante dois anos apenas, na década de 50. Achei que ele tivesse encontrado um na bacia das almas e fiquei exultante. Não foi dessa vez. Pena...
Falou-me sobre um Omega Seamaster que viu, numa dessas relojoarias meia-boca em Belo Horizonte, onde mora. O estado não deve ser dos melhores, considerando-se o fato de que a tampa traseira não é original (pertenceu a um Technos que deve ter sido canibalizado). Mas como um Omega é sempre um Omega e o preço que o cara pedia era uma bobagem, recomendei-lhe que pegasse. Antes, dei umas dicas para ver se vale à pena. Recuperar bem um relógios desses sempre tem algum custo.
Meu irmão é um fuçador nato. Já correu tudo quanto é feirinha em BH atrás de coisas antigas. Achou um senhor que ajudou-o a devolver vida a duas canetas Parker 51 que tinham sido do meu pai. Muito legal saber que tem gente que curte essas coisas. Em São Paulo, tempos atrás, no shopping Bourbom, vi uma feira de canetas antigas. Estava no final quando cheguei, mas tinha belos exemplares. Alguma coisa está mudando no Brasil.
Parece que estamos começando a dar valor a artigos de excelente qualidade que chegavam aqui, há mais de 40 anos. Tudo bem, simbolizam a nossa ausência de industrialização, mas, depois da II Guerra, quem tinha realmente indústria pujante? O Brasil estava começando apenas a caminhada e, como carros e outros artefatos industrializados, tudo vinha de fora. Canetas e relógios, por exemplo.
Quando o padrinho da minha primeira mulher morreu, o fundo da gaveta dele estava repleto de relógios. Fora ourives e, pelo jeito, aqueles exemplares ficaram com ele para conserto e jamais foram devolvidos aos seus donos, por esquecimento dos dois lados. Entre eles, um Rolex (não saberia dizer o modelo, que nunca mais vi, mas creio ser da década de 50), um Jaeger LeCoultre (a corda, do final dos anos 40, que tenho até hoje e funciona perfeitamente), um Cyma (que nunca mais vi, mas lembro que o fundo era preto), um Eterna Matic (modelo Kontiki, todo em aço, com a máquina estragada pela ferrugem; o antigo dono deve ter ido à praia ou à piscina, a vedação não estava legal e mandou tudo para o saco) e um Seiko, que está na recuperação e - não sabia - vem da década de 60 - pensei sempre que era dos anos 70.
Dei minhas bolas fora também. Perdi um jogo de lapiseira e caneta que foram do meu avô paterno, para chateação do meu pai. Era uma lapiseira Pelican e uma caneta de pena da Parker. Junto, tinha uma Cross de ouro, que fora do meu pai. Vejam meu prejuízo. Tentei deixar o velho menos chateado dando de Natal, ano passado, uma Waterman. Sei que uma coisa não compensa outra, nem era essa a intenção, mas fiquei muito envergonhado com meu desleixo.
Dei para meu sogro um Eterna Matic que comprei no Mercado Livre justamente no dia em que ele me disse que o relógio que tinha havia estragado. Vejam que ironia. Hoje, não tira do pulso. Seu Azor não é a figura mais cuidadosa do mundo, mas acho legal ver aquele Eterna de quase 50 anos funcionando perfeitamente no pulso dele. É isso aí, quanto mais usa, mais funciona.
Enfim, por que estou contando tudo isso? Porque os objetos têm história. Pode não ser a nossa, mas chegaram até nós de algum jeito, estranho ou não. Isso é que é legal. E conservar coisas assim não tem preço.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Ministro com prazo de validade

A reforma ministerial é inevitável. Não apenas porque o governo a quer, mas porque as especulações em torno dos nomes que saem fizeram dela um fato concreto. Hoje é questão consumada, ainda que Dilma pretendesse fazer as trocas no varejo, dependendo de cada caso. Os ministros que sairão por ineficiência (Afonso Florence e Ana de Hollanda) tinham alguma chance de ficar caso tivessem mostrado mais vontade para isso. Outros vão sair porque buscarão outros cargos (são casos claros de disputa de prefeitura os de Iriny Lopes [Vitória], Fernando Bezerra Coelho [Recife] e Fernando Haddad [São Paulo]), são escândalos em potencial (Carlos Lupi e Mario Negromonte) ou desaparecerão porque suas pastas também sumirão (Luísa de Bairros e Luís Sérgio [que também vai aproveitar o bilhete azul para disputar a Prefeitura de Angra dos Reis, sua base eleitoral]).
Mas essas trocas embutem uma gravidade. Se os ministros deixados ou indicados por Lula caíram por envolvimento em casos cabeludos de corrupção, os que foram trazidos ou aceitos por Dilma são rigorosamente incompetentes. Ana, Florence, Sérgio ou Negromonte não disseram a que vieram. Desses, o único que destoa é Negromonte, contra o qual pesa, além da ineficácia, o fato de ter sido flagrado turbinando a empresa da mulher no contrato de uma prefeitura sob sua influência.
Os otimistas dizem que, agora, vem mesmo o ministério de Dilma. Podemos sentar e esperar por uma tragédia. Pela razão simples de que, aqueles que herdou, tendo gostado ou não, receberam dela o endosso para continuar. Os que vieram depois, ela não conseguiu resistir à pressão do jogo político-partidário. Bobo é quem acredita que, na reforma ministerial, a presidente vai decidir de maneira diferente.
Bem, mas ela vai ter tempo de escolher com calma dessa vez. E não teve da vez anterior? Teve, claro. Tirando um ou outro para o qual torceu o nariz (como Lupi ou o ex-ministro Orlando Silva), o restante ela aceitou sem pensar muito a respeito. Fosse farinha de outro saco, tinha agradecido as indicações e as recusado. Mas...
A história brasileira tem esse hábito: a de trocar nomes como se fosse um jogo de futebol, no qual o intervalo serve para o técnico ajustar a equipe para o segundo tempo com novas caras. Se o mandato de Dilma fosse um jogo de futebol, ela estaria na metade do primeiro tempo, ali pelos 22 minutos. Convenhamos que mudar o time pouco depois que a partida começou é sinal de que estava escalado errado desde o começo. Os treinadores não passam recibo e, mesmo que estejam perdendo, levam os 11 iniciais até o final, tendo apenas o cuidado de jogar fechado para que a derrota não aumente. Já a presidente vai fazer a troca porque percebeu que a equipe é fraca e problemática. Culpa de quem?
Dela mesma. Não estranharia se, em janeiro-fevereiro de 2013, ela novamente mudasse a composição do ministério. Suprimir pastas e criar outras é algo que poderia ter feito na transição. Da mesma forma, ter um cuidado maior com os nomes. Porque se continuar a acomodar, como tem feito, interesses partidários, a imagem de gestora competente e rigorosa tende a se enfraquecer, como, aliás, já vem acontecendo.
As eleições municipais de 2012, de certa forma, vão crivar a percepção que o eleitor tem de Dilma e de seu governo. Porque não é possível que um governo tenha ministros com prazo de validade de um ano. Isso quando não começam a apodrecer antes e precisam ser jogados no lixo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Uma joelhada no saco

De vez em quando, me arrisco a falar sobre música. Acho que falo com alguma propriedade porque, com o tanto de CDs e LPs que tenho em casa, devo ter aprendido alguma coisa.
Tempos atrás, fuçando na internet, cheguei ao Joelho de Porco. Minha infância me remeteu a um gordão pintado, que aparecia como principal vocalista, numa música que começava com assim: "Atchim, atchim!" Era "Rapé", que abria um disco que o JdP lançara pela Som Livre. Era apresentado como a primeira banda "punk" do Brasil.
Jamais tive esse disco, mas logo descobri que algumas daquelas músicas do JdP, que eu tinha ouvido na falecida Eldo Pop, não pertenciam a esse LP. Nem o gordão era o mesmo: o pintado, era um argentino, o Billy Bond, que jamais foi grande coisa cantando. Eu queria ouvir o outro, que só conheceria num festival da Globo, nos anos 80, voz principal na música "A última voz do Brasil". Esse cantava pra cacete.
Próspero Albanese. O nome, quando ouvi pela primeira vez, me fez pensar: quem se chamaria Próspero Albanese? Com o tempo, fui vendo que devia ser filho de uma dessas tradicionais famílias paulistanas, de origem italiana. Era, aliás, o disco de Próspero que eu queria ouvir.
E o disco chama-se "São Paulo 1554-Hoje". Espetacular. Baixei na internet (lamento confessar, mas se existe uma edição oficial, me avisem para comprá-la). Tem várias faixas que eu acho formidáveis: "Cruzei meus braços... fui um palhaço", "Aeroporto de Congonhas", "São Paulo by day", "A lâmpada de Edison" e mais algumas. Rocks bem pesados, com orquestrações à Deep Purple, com toques ainda de progressivos como Genesis ou Jethro Tull. A banda gira em torno de Albanese, que, não sei dizer (não tenho a ficha técnica), acho que acumula o cargo de baterista nessa gravação. Alguns vocais são de Tico Terpins, que entrava mais como força criativa do que musical.
A capa é ótima, do sumido artista plástico Juarez Machado. Preto e branco com aquele traço inconfundível. Já vi a contracapa, que traz ficha técnica e o escambau, mas não sei dizer quais são os músicos que fazem parte da empreitada. É uma pena que Charles Gavin não tenha trazido de volta esse LPs à luz do sol. Ou se tentou trazer e não conseguiu, é mais triste ainda.
Digo isso porque foi trilha sonora da minha pré-adolescência, quando, antes de dormir, colocava um radinho Sharp de pilha perto do travesseiro e, plugado com um "egoísta" (aquele monofone de ouvido), sintonizava na Eldo Pop. Entre coisas que jamais saberei o que são, pois a rádio era somente música, sem locutor - impressionante como deixou viúvos e viúvas ainda hoje -, e outras que já descobri, ouvi aqueles caras cantando em português, com um inconfundível sotaque paulistano.
"No aeroporrrrrto de Congonhas/ Passa todos os domingosssss/ Só prrrra ver avião descendo/ Só prrrrrra ver avião subiiiiindo...", e o pau quebrava num instrumental ótimo, com uma pegava ganchuda, que sempre me levou a pensar por que o Brasil não teve mais bandas de rock pesado nos anos 70. Vão dizer que os amplificadores Tremendão, as baterias Pinguim, os pratos Ziltanan e as guitarras Gianinni e Phelpas não ajudavam. É, pode ser.
Quem tiver a chance de ouvir "São Paulo 1554-Hoje", ouvirá um grande disco de rock. De rock pesado, hardão (com alguns desvios, é verdade) e que ainda hoje merece ser escutado. Não ficou datado, como muita gente pode pensar. É a expressão mais clara, para mim, do rock paulistano, assim como Adoniram Barbosa, Paulo Vanzolini e Germano Matias foram os ícones do samba da terra dos edifícios do Banespa, Ester e Copan. 

A careta é para você, babaca

O título remete ao site do Globo, que abro e vejo a foto de um sujeito fazendo careta para a câmara do fotógrafo depois de ter sido devidamente levado em cana. Já na caçapa, algemado, mostra a língua e arregala os olhos, doidão que devia estar de cocaína. Sóbrio ou não, vai entrar para a história da cidade como a face do deboche.
Ele não está debochando de mim, um fluminense (nasci em Niterói e faço questão de deixar claro isso; fluminense é uma coisa, carioca é outra), mas dos cariocas malandros, espertos, que apóiam de alguma forma o tráfico, seja como sócios-consumidores, seja pela leniência. Nélson Rodrigues, para sacanear Dom Hélder Câmara, inventou a figura do "padre de passeata". (Como ele era conservador assumido, direitista empedernido, não admitia que religião e política se unissem na esquerda contra a ditadura militar.) Pois eu invento outra figura: o carioca de passeata.
É aquele que sai às ruas para protestar depois de a porta ter sido arrobanda e sobrearrombada inúmeras vezes. É aquele cara que cheira esportivamente ou dá seus tapinhas no baseado por mera convenção social, mas que não acha que está contribuindo com o tráfico. É aquele cara que tem um "amigo de um amigo" que já comprou um carro roubado, mas não fez coisa alguma - nem se indignou. Foram todos tomar um chope gelado no Bracarense, rindo da vida.
Só quem sai do Rio vê o quanto o carioca/fluminense é malfalado. É tido como indolente, leniente e pernóstico. Se você percorrer o Brasil buscando uma classificação para o carioca/fluminense, vai confirmar estereótipos que, por mais que passe o tempo, não mudam: o paulista é trabalhador (qualificado), o nordestino é trabalhador (desqualificado), o gaúcho/catarinense/paranaense é racista e o carioca/fluminense... vagabundo! Hugo Carvana, quando fez o filme, no comecinho da década de 70 ("Vai trabalhar vagabundo!"), jamais imaginaria que contribuiria para consolidar uma imagem - a do sujeito que não faz nada, que ganha a vida com expedientes, mas é boa gente, simpaticão e inofensivo.
Esse é o carioca (sem fluminense, pois tem desprezo pelo nascido em Niterói) até hoje, que não percebeu que a capital do Brasil mudou de lugar há 51 anos. Não há mais razão para manter a empáfia e acreditar numa falsa integração social, de morros e asfalto. Jamais houve essa integração, falácia de intectuais supostamente progressistas, que retrataram a favela, mas nunca fizeram coisa alguma concreta para levar dignidade ao morro. A poesia, no papel, nas telas e no teatro, é linda sempre, mas na vida real...
Foi a favela que se livrou da favela, não a Zona Sul intelectualizada e paternalista. Foi a favela que se levantou, que cansou de esperar, que quis dar um fim nos bandidos sem e com farda. Foi a favela que cansou do estigma de lugar de marginal e de desocupado. Não foi a Zona Sul do banquinho e do violão, dos saraus na sala de Nara Leão com Cartola e João do Vale. Foi a favela que cansou de tomar borrachada no lombo e ver seus filhos levando tapas na cara, porque o filho branco das classes média e alta molha a mão do policial e sai andando como se nada tivesse havido.
Ontem mesmo, uma porção de gente saiu às ruas contra a redivisão dos royalties do petróleo. Rio e Espírito Santo querem que as coisas fiquem como estão e os demais estados, se contemplados, recebam uma parcela mínima, que reduziria a da União. Mas essa porção de gente, que foi mobilizada por TVs e jornais, por insistentes pedidos do governador do estado, não parou para pensar no seguinte: o que tem sido feito dessa dinheirama toda? Onde o governo tem aplicado, que não vejo? Onde as prefeituras, que reclamam que vão à falência, têm investido? Em saúde, em segurança, em saneamento, em educação, em urbanismo? E o governador? Passa tempo suficiente no estado, resolvendo os problemas?
Não adianta sugerir um raciocínio mais elaborado do que esse. As pessoas querem ver as coisas funcionando: o asfalto liso, o calçamento perfeito, o jardim conservado, o esgoto canalizado, a água farta, a luz constante, a escola de boa qualidade, o posto de saúde funcionando, o pronto-socorro atendendo direito, a polícia bem treinada, a segurança de pegar um ônibus e não ter de esconder cordões, carteiras e relógios. Pagam impostos para isso e querem que o dinheiro dos royalties seja investido assim.
O restante é papo de carioca malandro, que fala chiando o "S" e não necessariamente é Flamengo e tem uma nega chamada Teresa.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Para quem é, está de bom tamanho

Carlos Lupi é o típico caso de um inepto que virou ministro. Convenhamos que o fato de vir de baixo (foi jornaleiro e todos sabem disso) não tem nada a ver com o peixe. É inepto porque sempre foi um político obscuro que, de uma hora para outra, ganhou de presente um partido e, ao subir para base de apoio do governo, um ministério.
Leonel Brizola não fez o PDT para a posteridade; fez para ele. Depois da volta ao Brasil, disputou com Ivete Vargas a sigla PTB, pois queria levantar o estandarte de Getúlio e do trabalhismo. A identificação de Brizola com o velho caudilho começava no fato de que eram gaúchos e tinham, de certa forma, a mesma origem política: um fundou o partido para ser sua correia de transmissão no Legislativo; o outro fez a carreira política dentro da legenda, dividindo com Jango o protagonismo depois do tiro que marcou a história.
Ao perder a sigla para Ivete, Brizola fundou um partido à sua imagem e semelhança - embora, se fosse o PTB, seria a mesma coisa. Tinha figuras respeitáveis, como Darcy Ribeiro, Saturnino Braga e Neiva Moreira, com outras que representavam a política de rapinagem. No Rio, conseguia juntar figuras tão díspares quanto o jornalista Sebastião Nery, o cantor Agnaldo Timóteo ou o índio Juruna, com Cláudio Moacir, Paulo Rattes e Brandão Monteiro. Teve até Anthony Garotinho, embora noutra época. Não se podia dizer que tinha um cara de esquerda, tal como o PT daqueles tempos. Centro-esquerda talvez, embora ligado à Internacional Socialista.
O PDT, porém, foi definhando por causa do personalismo de Brizola. Não admitia que alguém o contestasse, ameaçasse sua liderança, riscasse seu protagonismo. Aos poucos, os bons foram saindo, outros foram morrendo e, depois do segundo governo no Rio, a importância reduziu-se ainda mais. No final, o PDT era somente Brizola, com uma representação legislativa fraca e um enorme guarda-chuva para políticos oportunistas, que puxavam caminhões de votos, mas não tinham convicção alguma. Tampouco controle.
No processo de decadência é que entra Lupi. Lá pelas tantas é alçado ao cargo de vice-presidente do PDT, algo que, com Brizola vivo, era quase nada. Mas Brizola morreu. O PDT, que tinha tudo para definhar e ser engolido por uma legenda maior, foi aceitando figuras de caráter político duvidoso. Renasceu capenga, se reagrupou e Lupi teve ao menos a habilidade de não deixar a legenda ser tragada ou tornar-se uma força menor. Só que não escapou de torná-la de aluguel. Vá lá que tenha sido em nome da sobrevivência.
Ainda que os fins justifiquem os meios, o PDT foi chamado para o arco de alianças de Lula porque, ao ex-presidente, interessava isolar PSDB e DEM do outro lado da quadra. A arquitetura feita por José Dirceu foi de um pragmatismo tão hábil quanto assustador: para um projeto de poder de várias décadas, era preciso trazer para baixo do guarda-chuva petista não apenas a esquerda, radical ou não, mas o centro e, se possível, a direita. Acabaram ficando de fora somente os extremos, embora muitos tucanos e democratas tenham sonhado com a possibilidade de embarcar nesse imenso trem do governo.
O Ministério do Trabalho já foi uma pasta de articulação. Mesmo na época em que se juntou com a Previdência, tinha peso político expressivo. Foi sendo esvaziado, diminuído e hoje sobrevive porque faz parte das chamadas "pastas tradicionais" - como Saúde ou Justiça.
Por ter uma certa capilaridade nos estados, ao PDT coube um ministério proporcional à sua importância. E Lupi, que desde a morte de Brizola vinha no comando da legenda, foi aquinhoado. 
É o resumo dessa ópera.
Vocês concordam que Lupi foi até longe demais?

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

É preciso apontar os boçais

Já fui estudante, já fui universitário. Passaram-se pelo menos 30 anos que estou longe dos bancos escolares. Naqueles tempos de juventude, fiz, sim, muita bobagem, algumas das quais me arrependo. Não vou fazer aqui apologia dos erros que cometi, vários deles cometidos deliberadamente. Quero transportar as imagens daqueles tempos para agora, quando vejo essa turma que invadiu prédios na USP se dizer revolucionária, reprimida e outras besteiras do gênero.
Nunca tomei tapa da polícia, mas admito que também jamais dei motivos para isso. A única vez que estive numa delegacia foi quando os bandidos tomaram meu carro, em Niterói, e espero que tenha sido a última. Não tenho uma natureza tão audaciosa assim, mas sempre tive opiniões próprias, mesmo que elas ferissem o senso comum. E nos tempos de escola e de faculdade me fartei de externá-las.
Daí porque acho intolerável o que os estudantes da USP fizeram, assim como já critiquei as invasões e greves na UnB. Acho uma calhordice, uma cretinice, essa associação de futuros sindicalistas com sindicalistas atuais, cuja única intenção é a de desestabilizar a reitoria.
Li que o reitor José Grandino Rodas foi criticado por assinar um convênio com a PM para patrulhar o campus, que não se chama cidade universitária à toa. Com índices de violência assustadores (roubos, estupros e até assassinato), convenhamos que é uma medida coerente.
Não vou defender o reitor, que tem advogados melhores que eu, mas se eu tivesse no lugar dele faria a mesma coisa. Lá vou eu me importar com uma pequena turma que fuma maconha, de estudantes profissionais/futuros sindicalistas, que não quer que os meganhas patrulhem o campus? Se matarem, se roubarem e se estuprarem, vão bater na porta de quem? Da turma do fumo é que não vai ser, tampouco na do diretório acadêmico - que no meu tempo servia apenas para organizar chopadas, peladas e campeonatos de futebol de botão; isso mudou?
Eu botava lá a PM, tendo antes o cuidado de reunir-me com o comando do batalhão para alertar-lhes de que trata-se de uma área sensível, politizada, embora enviezadamente. Mas nunca diria: se virem um maconheiro, deixem para lá. Em tempo algum pediria à polícia para, nesse caso, deixar de ser polícia.
Mesmo porque, o que me garante que no meio daquela turminha puxando um fumo não estará um traficante? E se fumar maconha é infração prevista em lei, deve ser reprimida. Concorde eu ou não.
O que isso não pode é, por causa de um grupo de baderneiros, gente mancomunada com funcionários ligados a sindicatos, virar situação política. Daqui a pouco, vamos começar a respaldar os idiotas que, dias atrás, invadiram uma transmissão ao vivo da Globo, berrando coisas que ninguém entendeu. Vamos chamar a isso de direito à liberdade de expressão?
Não se pode confundir as coisas e temos de ficar atentos porque tem muita gente disposta a, deliberadamente,  fazê-lo. A invasão dos prédios da USP foi um ato de vandalismo, foi depredação de uma propriedade pública e isso não pode ser permitido, sob qualquer pretexto. Nesses casos, o caminho é a reintegração de posse pedida à Justiça e o envio da força policial para restabelecer o direito legítimo do proprietário. A turma de mascarados, que na indumentária e nos gestos se igualou a bandidos revoltosos de qualquer pernitenciária, sabia que o trajeto a ser seguido foi o descrito acima.
Elegeram até um estudante profissional, desses que jamais são jubilados e têm mais de 10 anos vagando pelo campos, se escorando em conexões políticas espúrias. O camarada tem cara de velho, apesar do jeito pouco higiênico de ripongo. É presidente do CA ou coisa assim. Tinha que estar mais empenhado em protestar contra a violência que vitimou alguns dos seus colegas, contra a insegurança e supostas conexões entre bandidos e guardas particulares. Ou o malandrão se esqueceu que, mesmo caduco, há um Código Penal que prevê detenção para quem é flagrado com drogas?
Não aceito essa turma e, por ter filhos em idade de crescimento, vou orientá-los para que fujam dela. Participei de atos políticos, passeatas, mas nunca protestei em defesa da maconha, do direito de encher a cara na faculdade, de traficar cocaína. Quem ia em cana por esses motivos, sabia por que estava indo e que riscos corria. E como disse Tim Maia, cada qual com seu cada um. Não vou jamais estimular a confusão de conceitos, coisa de ignorantes ou de mal-intencionados.
Meus filhos poderão me chamar de careta, outros que lerem esse artigo me tacharão de reacionários. Não retiro uma única e escassa palavra ou conceito exposto aqui. Quando a gente envelhece é que percebe o ridículo de algumas posturas, de certas posições. Embora eu não subestime a estupidez de ninguém, a tendência do homem é a evolução, sobretudo a das ideias.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É para ser derrubado

Vi atentamente a cena em que o cinegrafista da Band é atingido por um tiro fatal, disparado por um traficante da Favela do Antares. Embora não possa garantir, tenho a desconfiança que, quem  disparou, o fez de propósito e com uma arma de longo alcance. Não poderia afirmar que foi um rifle com mira, mas não creio que tenha sido um fuzil, que é menos preciso a grandes distâncias. E se o cinegrafista foi atingido por uma arma específica, quem disparou o escolheu como alvo.
E isso é grave, gravíssimo, aliás. É sinal de que o jornalista está sendo colocado no mesmo patamar do policial - o de alvo. Não estranharia. Cinegrafistas, fotógrafos, repórteres e todos os que pretendem cobrir uma guerra são vistos muitas vezes como inimigos, já que registram quase sempre somente um lado. Nesse caso, o dos policiais. Como o aparato de segurança, em tese, está do lado da lei, imagens e relatos costumam ser de acordo com o que as fontes oficiais dizem. Na guerra da informação, os bandidos também saem perdendo.
É um raciocínio enviezado, mas faz sentido. Na cabeça do marginal, ele não oprime a favela. Quem faz isso é o policial, corrupto ou não. Na cabeça do traficante, ele tem até "consciência social" - para usar uma frase cínica tirada do Tropa de Elite I -, ajudando no gás, no remédio, na compra de mês. Claro que tem a contrapartida, como guardar um arsenal, dar abrigo a um foragido, esconder uma carga de drogas. Mas, na cabeça do bandido, essa é uma relação cordial com a "comunidade". Até simbiótica.
A polícia é quem chega dando tapa, distribuindo tiro, humilhando - sempre na visão do traficante e, supostamente, na do morador da favela. E a imprensa que sobe junto não vê nada disso, porque, claro, isso não é feito na frente dela. Daí porque, para o bandido, jornalista passa somente um lado da história, que é o lado do suposto opressor. O malandro é um coitado, uma vítima. Sendo assim, repórter, fotógrafo, cinegrafista é inimigo também.
Não vou nem citar o caso envolvendo Tim Lopes para exemplificar o que estou falando. Há casos nos quais fica clara intenção de matar quem é da imprensa. O cinegrafista argentino Leonardo Henriksen virou alvo de um grupo de soldados, no golpe do Chile. Imagens que não deveriam circular o mundo o colocaram na mira de um fuzil. Não havia engano: quem deu o tiro sabia no que estava atirando.
Outra imagem difícil de esquecer foi a da morte do jornalista americano Bill Stewart, na guerra civil da Nicarágua. Um jovem soldado das tropas de Anastazio Somoza mandou que deitasse no asfalto e disparou-lhe um balaço na cabeça. De longe se pôde ver o corpo vibrando com o impacto do disparo. Ali também a ideia era intimidar, mostrar que a imprensa não era amiga e que, supostamente, assumira  um lado, o dos sandinistas.
As imagens feitas pela Globo, no Complexo do Alemão, ano passado, dos traficantes fugindo feito batatas tontas os humilhou. Mostrou que são um bando, sem estratégia de defesa, desarticulado no ataque e desorganizado no comando. A imprensa, na cabeça deles, os mostrou como uns covardões que só se sustentam porque a força da bala sobre a população desarmada é desproporcionalmete maior.
Talvez a morte do cinegrafista tenha sido uma vingança atrasada. Não afasto a hipótese de que quem tenha atirado nele o tenha visto como um inimigo que carregava uma câmera em vez de uma arma. O bandido, no seu raciocínio maniqueísta e rastaquera, gostaria de passar sua história, dizer que não é tão ruim, que é até bonzinho. Afinal, é um comerciante e, no capitalismo, o que manda é a lei da oferta e da procura. Se ele vende cocaína, crack e maconha, é porque, "na pista", tem sempre alguém a procura. E se não fosse um comércio tão lucrativo, a polícia jamais tentaria abocanhar um quinhão.
É essa polícia que, de alguma forma, dá cobertura ao jornalista, que com ela entra na favela, mas não registra tudo que deve ser registrado. Para o bandido, a imprensa vê o que quer ver; vê o relato oficial, o que interessa ao governador, ao secretário de segurança. Respalda os pontapés, tapas, humilhações e balas perdidas distribuídas pelas forças do estado.
Então, jornalista é alvo também, é "alemão" também. Mas parece que ninguém tinha percebido isso. E na guerra, inimigo é para ser derrubado.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

A volta dos mortos vivos

Demóstenes Torres (DEM-GO) vai pedir o impeachment do governador do DF, Agnelo Queiroz. Se o senador um dia souber da existência desse blog e se der ao trabalho de lê-lo, verá aqui meu conselho: desista, não vai conseguir. E pelas razões que passo a enumerar agora.
A primeira delas está relacionada à imprensa local. Demóstenes verá com muita facilidade que os jornais, estranhamente, não dão coisa alguma sobre o embrulho no qual Agnelo está atado. E quando dão é de forma distorcida, jogando noutra direção as raízes do escândalo. Uma dessas publicações disse que a troca que o governador fez, que movimentou a cúpula da polícia e cujo resultado foi uma razzia de nomes, foi uma questão administrativa. Qualquer pessoa que juntar dois mais dois há de perguntar: ora, por que não fez antes? Se havia politização num lugar-chave, como a Polícia Civil, por que deixou chegar a esse ponto? E por que a politizou?
São perguntas que nem Agnelo, nem sua nova cúpula de segurança, vão responder com firmeza. Será um festival de tergiversação, com as justificativas mais estranhas. Mesmo porque a nova turma da polícia é toda ligada ao ex-governador Joaquim Roriz. Trata-se de um pessoal que conhece completamente os caminhos do governo e a forma de controlá-lo.
Toda essa complacência da imprensa local é muito bem remunerada. Nenhum desses veículos têm coragem ou independência. A administração da dificuldade de Agnelo passará, em breve, por uma mesa de negociações. No começo deste ano, o governador jogou lá embaixo a "taxa de simpatia" aos veículos, o que os deixou revoltados. Está chegando a hora de renegociar esses patamares, sob pena de alguns recados serem passados pela imprensa no formato de incômodas reportagens. Às vésperas de completar um ano, é tempo de reajuste. Que Agnelo vai pagar sem pensar duas vezes.
Mas existe um segundo ponto, que é o decisivo: a Câmara Legislativa. Agnelo tem, sim, 22 dos 24 distritais, mas somente enquanto puder atendê-los. O que se verá, de agora em diante, será um festival de apararelhamento da máquina do GDF. Todas aquelas boas intenções, que seriam sérias se fossem verdadeiras, de reduzir o quadro do governo e qualificá-lo, vai ficar para trás - se é que já não ficou há algum tempo, pois ninguém obtem maioria folgada se não pagar bem direitinho a base de apoio.
Agnelo começou o governo batendo de frente com a Câmara Legislativa. Houve uma revolta de distritais, que de sincera não tinha nada. Queriam vender dificuldade para obter facilidade. Há, inclusive, bons nomes na Casa, mas que não têm coragem de se tornar o chamado ponto fora da curva. Seguem a manada, ainda que isso não lhes renda muita coisa, já que não pleiteiam tantos cargos quanto outros, que têm maior avidez.
Mas tem a turma que apóia qualquer governo, que, é evidente, vai querer ser bem remunerada para dar apoio a Agnelo e impedir que um processo de impeachment viceje. Como as duas deputadas não têm tanta envergadura assim para criticar o governo - Liliane Roriz tem um sobrenome que não a ajuda; Celina Leão, além de ser ligada aos Roriz, foi chefe de gabinete na notória Jaqueline, e há pouco tempo teve de dar explicações sobre isso -, os demais não encontrarão barreiras para cobranças. As duas, aliás, sequer serão ouvidas pelos jornais, que não querem coisas incômodas vindas delas.
Demóstenes tem somente uma chance: assim como aconteceu com José Roberto Arruda, que a imprensa de fora, que não tem qualquer compromisso com Agnelo, comece a denunciá-lo com provas contundentes. A cada dia terá de surgir uma nova informação de que o suposto reformador não é uma figura impulta, tampouco ilibada. Somente esse caminho será capaz de levantar o fio dessa meada. E aí há uma chance de o processo de impeachment avançar, já que aos distritais não interessa o afogamento político, que lhes seria imposto pelo abraço desesperado de Agnelo.
No processo de fritura de Orlando Silva, no Ministério do Esporte, se podia prever que em algum momento o governador seria trazido para dentro da roda. As denúncias existiam, porém não se sabia até então qual a consistência delas. Ano passado, na campanha, não colaram, mas agora têm tudo para fazer um imenso estrago exatamente porque existem provas.
A Veja, quando entrou nesse circuito, não o fez somente por desassombro. Tampouco Orlando aceitou deixar a pasta levando toda a culpa pelas barbaridades no Ministério.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Da condição humana

Nunca subestime a estupidez: ela é sempre maior do que a gente imagina. Escrevo isso porque li, na Folha de hoje, que o jornal foi obrigado a barrar comentários de internautas sobre o câncer do presidente Lula. Tinha neguinho exagerando e deixando de lado a condição humana, para a qual Desmond Tutu nos lembrou quando do assassinato de Muamar Kadafi. Definitivamente, aqueles que o mataram desceram ao mesmo patamar do ex-ditador líbio. E quem xingou ou brincou com a doença do ex-presidente foi tão lá embaixo quando os facínoras mais nojentos.
Algumas coisas não se misturam. Podemos detestar quem quer que seja, até achar que a humanidade não ficará mais pobre sem essa pessoa, mas desejar sua morte ou fazer dela motivo de piada é um absurdo. Claro que não vou lamentar o dia em que Fernandinho Beira-Mar morrer, mas não será por causa disso que vou pregar seu assasinato. Ou, quando ele passar desta para pior (alguém duvida disso?), dar gargalhadas de satisfação, fazer ironias ou algo do gênero. Posso não ser o mais evoluído dos mortais, mas não pretendo jamais me nivelar por baixo.
A doença do ex-presidente pegou muita gente de surpresa, gente que, claro, acreditava que ele estava pavimentando a volta em 2014. Pelo jeitão palanqueiro de Lula, ficava fácil acreditar nessa possibilidade. Mesmo porque não são poucos, no governo, no PT e nas hostes aliadas, que não se acostumaram com o estilo Dilma. Preferem a leniência do antecessor da presidente, que cada vez mais vem sendo provada pelo tanto de escândalos desbaratados. Um ministro a cada 24 dias, em média, convenhamos que é inédito no Brasil e em várias partes do mundo. Exceto por Pedro Novais, que foi defenestrado do Turismo, o restante é herança deixada por Lula.
Mas isso nada tem a ver com o câncer de laringe que o afetou. O ex-presidente vai dispor de todos os recursos possíveis, que não são do alcance do cidadão comum, e não devemos odiá-lo por isso. Devemos, sim, lutar para termos as mesmas possibilidades. A doença não pode entrar no debate da discordância política. Já foi o tempo em que os conflitos de opinião eram resolvidos no risco da faca ou a bala. Já foi? Bem, depende de onde nos encontramos. Mesmo em alguns lugares bem perto do Rio de Janeiro não se aceita o dissenso pacificamente.
Estamos, porém, falando de seres humanos normais e seres humanos normais não se regozijam do sofrimento de ninguém, não se comprazem com a doença alheia, não brincam com a dor do outro. Lula pode não ter sido um exemplo de governante, mas vou me colocar sempre no seu lugar quando o assunto for o câncer de laringe que começou a tratar. Me solidarizo com ele e sua família ainda que, se fosse o contrário, ele jamais saberia pelo que eventualmente eu estaria passando. Só que eu jamais cobraria dele isso pela imensa distância que existe entre nós. Lula é Lula, um ícone da política brasileira e mundial, um sujeito que, gostem ou não, escreveu seu nome na história.
Eu? Quem sou eu? Ninguém. Um cidadão-contribuinte-eleitor que tem imenso orgulho de ser apenas isto.