sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

De Gravatá para esse Brasilzão

O que move as pessoas para a política? Dinheiro e poder, mais nada. Do tubarão branco ao peixe de aquário, todos querem arrancar um pedaço do erário. Esse negócio de bem-estar do povo é pura conversa fiada, embora, no final das contas, a população precise de representantes para tentar pegar as migalhas do trabalho do Executivo ou do Legislativo.
Para quem discorda do que estou falando, veja o documentário Porta a Porta, de Marcelo Brennand, que está entrando em cartaz. Pelo trailer, não só é imperdível como endossa tudo o que falo aqui. O cineasta acompanhou a disputa pela prefeitura de Gravatá, interior de Pernambuco, em 2008, mais um desses inúmeros municípios no qual o principal empregador é o poder público.
Quer dizer: não tem trabalho. Comércio é coisa de parentes, que envolve a família toda, o mesmo acontecendo com lavoura ou gado. Agências do governo estadual ou federal são compostas por concursados, deslocados para o sertão. Bancos seguem a mesma regra. Então, quem sobra para dar emprego a uma população que não para de crescer? A prefeitura.
E mesmo uma prefeitura pobre tem muito a oferecer. Sem receita, vive pendurada nos repasses dos governos estadual e federal. É um saco sem fundo que não vira escola, posto de saúde, hospital ou asfaltamento. Antes, alguém já meteu no bolso o dinheiro que chega. Todos querem fazer isso, direta ou indiretamente, do prefeito aos secretários, do vereador ao cabo eleitoral.
Não se pode cair na tentação de culpar a pobreza por isso, nem o Nordeste. Isso acontece em todo o País, de Norte a Sul, com prefeituras grandes e minúsculas. O roubo é proporcional ao potencial de arrecadação. Não fosse assim, não se estaria discutindo, no âmbito do Governo Federal, como tornar mais transparente a planilha de gastos das prefeituras. Das grandes ainda se controla, mas, e das pequenas? Gravatá tem um site? Talvez tenha, com informações básicas e nenhum dado sobre a aplicação do dinheiro que entra nos cofres públicos. Se alguém quiser conferir, faça o favor.
O documentário é o retrato da política não somente brasileira, mas terceiro-mundista. O cara para se eleger a um cargo público promete, apenas isso. Quando um cidadão diz que quer ter acesso ao gabinete do prefeito para buscar um remédio lá quando precisar, não está sendo ignorante. Todos, se pudéssemos, faríamos o mesmo, já que crescemos sob uma arraigada cultura assistencialista.
Qual a diferença entre o cabo eleitoral de um candidato em Gravatá e o de Lula? Nenhuma. O que os move é a aposta no mercado futuro do emprego nomeado num cargo público.
Nesse negócio, sinceridade é o que menos importa, convicção não está em jogo e honestidade é artigo em falta. Porta a Porta mostra a ferocidade da política, que em alguns desses locais termina em troca de tiro. Ninguém é bonito, tal como o hoje senador Fernando Collor, braço erguido em desafio quando fez campanha presidencial em Niterói, em 1989. A foto é célebre: rosto contraído, boca de berro; parecia um dos 300 de Esparta, indo para a guerra contra os gregos. Falta-lhe, porém, o argumento da defesa do ideal.
Citei Collor, mas poderia ter citado Lula, lançando chorrilhos de perdigotos naqueles que babam por cada uma de suas palavras, debaixo do palanque. Para eles, o monte de asneiras é uma revelação bíblica.
Gravatá é o Brasil paulista e carioca, da capital. Tem lances engraçados no filme, todos provocados pelos diálogos toscos entre os personagens, o vernáculo sendo marretado sem dó pelo analfabetismo. Ninguém tem medo do ridículo. A falta de dentes é tão frequente quanto a de escrúpulos.
Todos querem sangrar o porco gordo da prefeitura, cravar-lhe a faca rasgando o couro e, com a carne ainda quente e trêmula (nada a ver com Almodóvar), arrancar um naco para saciar a fome. E babando saliva e sangue, rir satisfeito.
Não se enoje com a imagem descrita aqui. Política é bárbara por definição. Há os que a fazem com alguma ética, alguma apenas. Porque quando é preciso abater o adversário, atiram da mesma maneira que aqueles que não têm ética alguma.
Churchill disse que a democracia é o pior dos sistemas políticos, excetuando-se, claro, todos os outros. Gravatá está aí para confirmar.

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