quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Preste atenção no burocrata

Sempre gostei de filmes e livros de espionagem. Nasci sob o gelo da Guerra Fria, que no Brasil se manifestou em forma de ditadura militar e perseguição aos partidos de esquerda. Li muito John Le Carré, Robert Ludlum, Grahan Greene, mesmo Ian Flemming, que elaborou um 007 bem mais careta do que aqueles elegantes homens protagonizados por Sean Connery, Roger Moore ou, mais recentemente, Daniel Craig (para mim o melhor de todos).
Eu e minha mulher fomos ver, domingo, O Espião que Sabia Demais. Foi meio uma reviravolta de final de jogo: íamos a um filme, descobrimos que passava num horário ruim para nós e decidimos por outro.
E acertamos. O elenco é formidável, começando por Gary Oldman e chegando a John Hurt. Até mesmo o insosso Colin Firth está bem. Todos ingleses, o que dá uma fleugma de frieza e classe às interpretações, bem de acordo com o roteiro e com o ambiente, sempre sombrio.
Me impressionam muito histórias que são contadas por quase anti-herois. Não são bonitos, não são ricos, não andam nos melhores carros, com as melhores roupas, mulheres ou relógios. São figuras comuns, que passam despercebidas. Me lembrou outros filmes, que me impressionaram pela tenacidade de certas figuras são fundamentais para governos.
Le Carré sabia o que escrevia. O Alfaiate do Panamá mostra uma estupenda interpretação de Geoffrey Rush, que não serve de escada para Pierce Brosnan - outro ex-007, ator careteiro e que não sabe fazer nada além de expor feições de ironia. Em Nosso Homem em Havana, baseado no livro de Greene, quem dá show é Nöel Coward, um contato confuso e paranóico, que por pouco não rouba a cena de Alec Guiness. Também de Greene, Os Farsantes, com Liz Taylor e Richard Burton, é outros desses filmaços, nesse caso mostrando a miséria e a barbárie que tomaram conta do Haiti logo no começo da ditatura de Papa Doc.
Em comum cidadãos comuns. A minissérie A Companhia, traz Michael Keaton na pele de uma figurinha frágil chamada James Jesus Angleton. Naturalmente não prestaria atenção em Keaton, mas sua interpretação de Angleton é memorável. Porque Angleton é memorável. Insistente, frio, cínico, desconfiado até o limite da sanidade, descansa somente quando um espião na cúpula da CIA é descoberto, décadas depois de ter sido detectado.
Detalhe: Angleton existiu, assim como o espião, Aldrich Ames. Angleton se assemelha ao personagem de Oldman. A falta de humor e a persistência os une. Angleton não acha graça em nada, fuma descontroladamente e chega a acusar Harry Kissinger de J. Edgar Hoover de serem "comunistas"!
Mas a CIA, assim como MI5 ou o MI6, é feita exatamente de burocratas como esses. Gente sem glamour, que passa uma vida inteira juntando pequenas peças de quebra-cabeça. De certa forma, Angleton é retratado em O Bom Pastor, dessa vez por Matt Damon. Os personagens são muito próximos.
Da mesma maneira, aquele que assistiu a Pasolini: Um Crime Italiano, fica sabendo que foi o legista quem descobriu que tratava-se de um crime sexual e não político. O cineasta era ligado ao Partido Comunista e, quando seu corpo apareceu espancado brutalmente, o governo achou que se tratava de uma questão de ideologia. Sobretudo porque Pasolini não tinha medo de chocar - quem viu o asqueroso Saló sabe o que digo.
Mas um homenzinho... tem sempre um homenzinho. Foi ligando os pontos até concluir que o cineasta fora assassinado por um michê. Você já leram muito sobre isso no noticário nacional. Tive um colega, Sérgio Melgaço (coincidentemente crítico de cinema), que há muitos anos foi morto da mesma maneira.
O legista continuou de onde os policiais pararam. Veado e comunista, não admira que Pasolini seria assassinado, julgaram as machistas autoridades italianas. E graças à tenacidade dessa figura anônima, chegaram ao moto do caso. Dali para frente, alcançar o matador ficou mais fácil.
Governos, instituições, são feitas por gente sem charme, cinzenta. O agente que dá tiros e tapas na cara pode até meter medo. Mas fique atento àquela figura discreta, meticulosa e sem carisma que trabalha na burocracia estatal.

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