quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Justiça fajuta é de esquadrão da morte

Não pretendo cometer crimes, nem mesmo o menor deles. Mas de alguma forma me deixa tranquilo em saber que há juízes em Nuremberg, ops!, Brasília, mais precisamente no Supremo Tribunal Federal. E antes que digam que estou entrando no clima de Flamengo x Vasco que se criou entre aqueles que estão contra e os que estão a favor dos mensaleiros, me antecipo: minha única preocupação é com a Justiça. Embora sobre ela não seja especialista.

Depois que o ministro deixou clara a decisão que tomara, um clima de arquibancada de torcida organizada tomou conta da imprensa, sobretudo na net. Li tristes diatribes de gente que queria que Mello votasse não segundo preceitos jurídicos, mas conforme convicções de quem escrevia tais críticas. Assim como li lamentáveis deboches daqueles que aproveitaram a oportunidade para enfiar o dedo na cara de quem pretendia que o decano não aceitasse os embargos.

Justiça pode ser tudo, menos apaixonada. Ainda mais no Brasil, cujos códigos têm brechas propositais para que, por elas, escape alguém. Parando para observar melhor, o voto de Mello foi exatamente o fechamento de uma dessas fendas.

Houve quem se precipitasse e dissesse que, com dinheiro, tudo se consegue na Justiça. Essa é uma verdade menos verdadeira do que se pensa. As jurisprudências servem para balizar sobretudo o andar de baixo.

O sistema judiciário brasileiro não é implacável somente com pretos e pobres, como gostam de dizer. Costuma ser implacável com todo aquele que é julgado açodadamente, sobretudo quando a opinião pública forma a culpa e entende que o resultado na corte não pode ser diferente daquele que exige. Ora, isso é típico de regimes de exceção, quando se injustiça (ou se faz justiçamento, que não representa justiça) em nome da sociedade.

Joaquim Barbosa, o Batman, perdeu? Ricardo Lewandowski ganhou? Não consigo ver as coisas assim, de forma maniqueísta. Elegeu-se que um representava o lado luminoso e o outro o lado negro da força. Bobagens próprias de um país com uma visão distorcida de Justiça. No regime militar, o que mais havia na lei eram dispositivos que atentavam contra os direitos fundamentais. E não se diga que foram inventados pelos juristas da ditadura. Alguns vinham de antes mesmo da ditadura Vargas - e outros tantos ainda permanecem!

Não é somente a Justiça brasileira que representa uma elite cultural e financeira, é a do mundo todo. Os sistemas são arquitetados e executados pelo andar de cima, eterno tutor da plebe e suposto conhecedor dos problemas sociais. Claro que tudo isso é injusto, mas ainda não surgiu um sistema melhor de elaboração de princípios e normas. Quem se apresentou como alternativa a ele não conseguiu nada além de uma miserável, uma mesquinha ditadura.

Também não vim até aqui para dizer que não desejo o encarceramento dos mensaleiros. Desejo desde que paguem o que é certo, nem mais, nem menos. Custo a entender como podem desejar a injustiça, como se isso não se voltasse contra a própria sociedade. Ou alguém tem a ingenuidade de acreditar que uma justiça cavalar será menos brutal contra simples mortais?

(Ainda que não seja somente uma questão jurídica, trata-se de lei da física: quanto maior é a altura até o chão, maior é a energia desprendida - ou seja, mais pesado fica um corpo.)

Entendo, por outro lado, a desesperança que embute uma decisão como a do ministro. Fica, sim, um hálito desagradável. Longe de ser uma Poliana, o STF é uma das mais qualificadas casas de leis que existem, e não apenas no Brasil. Todos os ministros foram severamente atacados por críticos e defensores dos mensaleiros - da capacidade técnica à sexualidade, nenhum dos 11 escapou. Foram devidamente enxovalhados por figuras que se autoproclamam democratas, defensoras da transparência. Alguns se ridicularizaram a tal ponto de, sendo jornalistas, contestarem os votos dos integrantes da corte, como se tivessem o "reconhecido saber jurídico" que um integrante do Supremo deve apresentar no currículo.

Do outro lado, os debochados truculentos tinham frouxos de risos com as diatribes dos "juristas" que não têm compromisso com a Justiça, mas que, diariamente, ferem a responsabilidade de se emitir uma opinião. A turma que milita neste extremo oposto não se importa em demonstrar falta de conhecimento e incapacidade de argumentar.

Seja como for, se Justiça lenta é falha, Justiça rápida também. Mas ainda prefiro uma Justiça atenta, e que siga em linha reta, do que uma Justiça que ignore princípios, deixe suas regras de lado, influencie-se pelo palpitismo ou se deixe pressionar pela ignorância erudita.

E para terminar: lembrem-se que o julgamento do mensalão vai correr boa parte de um ano eleitoral. Do ponto de vista das urnas, o voto do ministro pode ter desacorrentado forças indomáveis, com potencial para causar imensos danos ao PT e ao governo.