Os reinos são podres.
Por reinos entenda-se governos.
Mais abaixo, em vermelho, acrescento artigo de Demétrio Magnoli, publicado nas edições de hoje do Globo e do Estadão. O sociólogo é um dos mais proeminentes pensadores do conservadorismo brasileiro, mas isso não é necessariamente mau. Alguém há de fazer oposição, sempre benéfica.
O tema do artigo é um cidadão chamado Eike Batista. Bilionário e tido como o exemplo do empresário brasileiro do século 21, é o ícone do tardio capitalismo pátrio. Tem pés de barro, porém. E Demétrio elenca os problemas que o fizeram despencar do ranking internacional dos ricaços.
Já tinha lido, tempos atrás, artigo de JR Guzzo, na Veja, no qual apontava algumas incoerências no avanço vertiginoso do Grupo X. Incoerências, não; inconsistências. Afinal, o jornalista indagava, ao longo do texto, como o virtuoso Eike alcançou tal patamar com um patrimônio de miragem.
O cadáver começou a exalar a fedentina quando Elio Gaspari deu o furo, numa coluna dos domingos: o embaixador brasileiro em Cingapura foi constrangido a agir como lobista para que o estaleiro Jurong trocasse o litoral capixaba pelo Porto do Açu, de ninguém menos que Eike. O diplomata foi chamado ao Brasil e a história causou tremendo barata-voa.
O restante da imprensa entrou no caso, ministros tiveram de abandonar obsequioso silêncio. O governador Renato Casagrande correu atrás do prejuízo. Resumo: dias atrás, o Jurong fechou contrato e fica no Espírito Santo.
Entrou areia na engrenagem de Eike.
O artigo de Demétrio é esclarecedor, mas não creio que alguém no governo, ou no PT, vá respondê-lo - tal como José Sérgio Gabrielli fez, na Folha do dia 24, ao professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite, rebatendo a acusação de que se a Petrobras ficou mais perto da insolvência, isso é devido ao hoje secretário de Planejamento da Bahia e ex-presidente da estatal. Apesar do tropeço, Eike ainda é uma figura necessária.
Entre os esclarecimentos do artigo de Demétrio, está o fato de que Eike segue em linha reta os ensinamentos do pai, Eliezer Batista. Para quem não sabe quem foi, Eliezer era o "dono" da Vale do Rio Doce nos tempos estatais. Só saiu da mineradora com a privatização. Mas, dizem as lendas urbanas, levou os segredos da empresa, e os legou a Eike. Que, como bom aprendiz, teve o mínimo de competência ao fazer render a herança recebida.
Eliezer mais se serviu do que serviu à ditadura. Os militares se encabidaram na empresa, tal como fizeram na Petrobras - que teve entre seus presidentes Ernesto Geisel e seu ex-ministro das Minas e Energia, Shigeaki Ueki. Isso, claro, não é sinônimo de competência, por mais que no quadro das duas estatais tivessem generais e coroneis formados pelo Instituto Militar de Engenharia. A questão ali era política, não econômica. As baias tinham que ser ocupadas pelos amigos e capachos.
Abaixo, em vermelho, vai o artigo de Demétrio. Vale lê-lo, sem preconceitos. Dá uma ideia de como o Brasil continua sendo um teatro pujante para farsantes travestidos de gênios. Há algo de podre, claro. E não é de hoje.
Eike, emblema e indício :: Demétrio Magnoli
Eike Batista valia US$ 1,5 bilhão em 2005, US$ 6,6 bi
em 2008, US$ 30 bi em 2011 e US$ 9,5 bilhões em março passado, depois de 12
meses nos quais seu patrimônio encolheu num ritmo médio de US$ 50 milhões por
dia. Desconfie das publicações de negócios quando se trata do perfil dos
investimentos de grandes empresários. Apenas cinco anos atrás, uma influente
revista de negócios narrou a saga de Eike sem conectá-la
uma única vez à sigla BNDES. Mas o ciclo de destruição implacável de valor das
ações do Grupo X acendeu uma faísca de jornalismo investigativo. Hoje, o nome do
empresário anda regularmente junto às cinco letrinhas providenciais - e emergem
até mesmo reportagens que o conectam a outras quatro letrinhas milagrosas:
Lula.
A história de Eike é, antes de tudo, um emblema do capitalismo de estado brasileiro. Durante o regime militar, Eliezer Batista circulou pelos portões giratórios que interligavam as empresas mineradoras internacionais à estatal Vale do Rio Doce. Duas décadas depois, seu filho converteu-se no ícone de uma estratégia de modernização do capitalismo de estado que almeja produzir uma elite de megaempresários associados à nova elite política lulista.
"O BNDES é o melhor banco do mundo", proclamou Eike em 2010, no lançamento das obras do Superporto Sudeste, da MMX. O projeto, orçado em R$ 1,8 bilhão, acabava de receber financiamento de R$ 1,2 bilhão do banco público de desenvolvimento, que também é sócio das empresas LLX, de logística, e MPX, de energia. No ano seguinte, o banco negociou com o empresário duas operações de injeção de capital no valor de R$ 3,2 bilhões, aumentando em R$ 600 milhões sua participação na MPX e abrindo uma linha de crédito de R$ 2,7 bilhões para as obras do estaleiro da OSX, orçadas em pouco mais de R$ 3 bilhões, no Porto do Açu, da LLX. Hoje, o endividamento do Grupo X com o banco mais generoso do mundo gira em torno de R$ 4,5 bilhões - algo como 23% do seu valor total de mercado.
"A natureza sempre foi generosa comigo", explicou Eike. "As pessoas ricas foram as que mais ganharam dinheiro no meu governo", explicou Lula. A política, não a economia, a "natureza" ou a sorte, inflou o balão do Grupo X. Dez anos atrás, o BNDES não era "o melhor banco do mundo". Ele alcançou essa condição por meio de uma expansão assombrosa de seu capital deflagrada no fim do primeiro mandato de Lula da Silva. A mágica sustentou-se sobre o truque prosaico da transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES. O dinheiro ilimitado que irrigou o Grupo X e impulsionou uma bolha de expectativas desmesuradas no mercado acionário é, num sentido brutalmente literal, seu, meu, nosso, dos filhos de todos nós e das crianças que ainda não nasceram, mas pagarão a conta da dívida pública gerada pela aventura do empresário emblemático.
Eike é emblema, mas também indício. A saga da célere ascensão e do ainda mais rápido declínio do Grupo X contém uma profusão de pistas, ainda não exploradas, das relações perigosas entre o círculo interno do lulismo e o mundo dos altos negócios.
Na condição de "consultor privado", em julho de 2006, o ex-ministro José Dirceu viajou à Bolívia, num jatinho da MMX, exatamente quando o governo de Evo Morales recusava licença de operação à siderúrgica de Eike. Nos anos seguintes, impulsionado por um fluxo torrencial de dinheiro do BNDES, o Grupo X atravessou as corredeiras da fortuna. Durante a travessia, em 2009, o empresário contou com o beneplácito de Lula para uma tentativa frustrada de adquirir o controle da Vale, pela compra a preço de oportunidade da participação acionária dos fundos de pensão, do BNDES e do Bradesco na antiga estatal. Naquele mesmo ano, o fracasso de bilheteria "Lula, o filho do Brasil", produzido com orçamento recordista, contou com o aporte de um milhão de reais do empreendedor X.
A parceria entre os dois "filhos do Brasil" não foi abalada pela reversão do movimento da roda da fortuna. Em janeiro passado, a bordo do jato do virtuoso empresário, Eike e o ex-presidente visitaram o Porto do Açu. O tema do encontro teria sido um plano de transferência para o Açu de um investimento de R$ 500 milhões de um estaleiro que uma empresa de Cingapura ergue no Espírito Santo. Em março, depois que Lula recomendou-lhe prestar maior atenção às demandas dos empresários, Dilma Rousseff reuniu-se com 28 megaempresários, entre eles o inefável X. Dias depois, numa reunião menor, a presidente e um representante do BNDES teriam se sentado à mesa com Eike e seus credores privados do Itaú, Bradesco e BTG-Pactual.
Equilibrando-se à beira do abismo, o Grupo X explora diferentes hipóteses de resgate. O BNDES, opção preferencial, concedeu um novo financiamento de R$ 935 milhões para a MMX e analisa uma solicitação da OSX, de créditos para a construção de uma plataforma de petróleo. Entrementes, diante da deterioração financeira do "melhor banco do mundo", emergem opções alternativas. No cenário mais provável, o Porto do Açu seria resgatado por uma série de iniciativas da Petrobras e da Empresa de Planejamento e Logística. A primeira converteria a imensa estrutura portuária sem demanda em base para a produção de petróleo na Bacia de Campos. A segunda esculpiria um pacote de licitações de modo a ligar o porto fincado no meio do nada à malha ferroviária nacional, assumindo os riscos financeiros da operação.
No registro do emblema, a vasta mobilização de empresas estatais e recursos públicos para salvar o Grupo X pode ser justificada em nome da "imagem do país no exterior", como sugere candidamente o governo, ou da proteção da imagem do próprio governo e de seu modelo de capitalismo de estado, como interpretam as raras vozes críticas. No registro do indício, porém, o resgate em curso solicitaria investigações de outra ordem e de amplas implicações - que, por isso mesmo, não serão feitas.
A história de Eike é, antes de tudo, um emblema do capitalismo de estado brasileiro. Durante o regime militar, Eliezer Batista circulou pelos portões giratórios que interligavam as empresas mineradoras internacionais à estatal Vale do Rio Doce. Duas décadas depois, seu filho converteu-se no ícone de uma estratégia de modernização do capitalismo de estado que almeja produzir uma elite de megaempresários associados à nova elite política lulista.
"O BNDES é o melhor banco do mundo", proclamou Eike em 2010, no lançamento das obras do Superporto Sudeste, da MMX. O projeto, orçado em R$ 1,8 bilhão, acabava de receber financiamento de R$ 1,2 bilhão do banco público de desenvolvimento, que também é sócio das empresas LLX, de logística, e MPX, de energia. No ano seguinte, o banco negociou com o empresário duas operações de injeção de capital no valor de R$ 3,2 bilhões, aumentando em R$ 600 milhões sua participação na MPX e abrindo uma linha de crédito de R$ 2,7 bilhões para as obras do estaleiro da OSX, orçadas em pouco mais de R$ 3 bilhões, no Porto do Açu, da LLX. Hoje, o endividamento do Grupo X com o banco mais generoso do mundo gira em torno de R$ 4,5 bilhões - algo como 23% do seu valor total de mercado.
"A natureza sempre foi generosa comigo", explicou Eike. "As pessoas ricas foram as que mais ganharam dinheiro no meu governo", explicou Lula. A política, não a economia, a "natureza" ou a sorte, inflou o balão do Grupo X. Dez anos atrás, o BNDES não era "o melhor banco do mundo". Ele alcançou essa condição por meio de uma expansão assombrosa de seu capital deflagrada no fim do primeiro mandato de Lula da Silva. A mágica sustentou-se sobre o truque prosaico da transferência de recursos do Tesouro Nacional para o BNDES. O dinheiro ilimitado que irrigou o Grupo X e impulsionou uma bolha de expectativas desmesuradas no mercado acionário é, num sentido brutalmente literal, seu, meu, nosso, dos filhos de todos nós e das crianças que ainda não nasceram, mas pagarão a conta da dívida pública gerada pela aventura do empresário emblemático.
Eike é emblema, mas também indício. A saga da célere ascensão e do ainda mais rápido declínio do Grupo X contém uma profusão de pistas, ainda não exploradas, das relações perigosas entre o círculo interno do lulismo e o mundo dos altos negócios.
Na condição de "consultor privado", em julho de 2006, o ex-ministro José Dirceu viajou à Bolívia, num jatinho da MMX, exatamente quando o governo de Evo Morales recusava licença de operação à siderúrgica de Eike. Nos anos seguintes, impulsionado por um fluxo torrencial de dinheiro do BNDES, o Grupo X atravessou as corredeiras da fortuna. Durante a travessia, em 2009, o empresário contou com o beneplácito de Lula para uma tentativa frustrada de adquirir o controle da Vale, pela compra a preço de oportunidade da participação acionária dos fundos de pensão, do BNDES e do Bradesco na antiga estatal. Naquele mesmo ano, o fracasso de bilheteria "Lula, o filho do Brasil", produzido com orçamento recordista, contou com o aporte de um milhão de reais do empreendedor X.
A parceria entre os dois "filhos do Brasil" não foi abalada pela reversão do movimento da roda da fortuna. Em janeiro passado, a bordo do jato do virtuoso empresário, Eike e o ex-presidente visitaram o Porto do Açu. O tema do encontro teria sido um plano de transferência para o Açu de um investimento de R$ 500 milhões de um estaleiro que uma empresa de Cingapura ergue no Espírito Santo. Em março, depois que Lula recomendou-lhe prestar maior atenção às demandas dos empresários, Dilma Rousseff reuniu-se com 28 megaempresários, entre eles o inefável X. Dias depois, numa reunião menor, a presidente e um representante do BNDES teriam se sentado à mesa com Eike e seus credores privados do Itaú, Bradesco e BTG-Pactual.
Equilibrando-se à beira do abismo, o Grupo X explora diferentes hipóteses de resgate. O BNDES, opção preferencial, concedeu um novo financiamento de R$ 935 milhões para a MMX e analisa uma solicitação da OSX, de créditos para a construção de uma plataforma de petróleo. Entrementes, diante da deterioração financeira do "melhor banco do mundo", emergem opções alternativas. No cenário mais provável, o Porto do Açu seria resgatado por uma série de iniciativas da Petrobras e da Empresa de Planejamento e Logística. A primeira converteria a imensa estrutura portuária sem demanda em base para a produção de petróleo na Bacia de Campos. A segunda esculpiria um pacote de licitações de modo a ligar o porto fincado no meio do nada à malha ferroviária nacional, assumindo os riscos financeiros da operação.
No registro do emblema, a vasta mobilização de empresas estatais e recursos públicos para salvar o Grupo X pode ser justificada em nome da "imagem do país no exterior", como sugere candidamente o governo, ou da proteção da imagem do próprio governo e de seu modelo de capitalismo de estado, como interpretam as raras vozes críticas. No registro do indício, porém, o resgate em curso solicitaria investigações de outra ordem e de amplas implicações - que, por isso mesmo, não serão feitas.
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