Vi um post, no Facebook, do meu amigo Gilberto Costa sobre texto de Ruth de Aquino, na Época, a respeito daquilo que os argentinos têm que nós não temos. Ela lembra: dois oscars, cinco prêmios Nobel, Messi e, agora, um papa. Bom, tais comparações são para quê mesmo?
Não servem para nada. São, na verdade, uma imensa, uma grandiosa bobagem. Não é patriotada da minha parte, mas penso que cada qual com seu cada um. O chilenos também têm dois Nobel, os colombianos um. Parabéns, mas nem por isso nossos escritores são piores, ou nosso cinema mais precário, ou nossos jogadores inferiores, ou nossos religiosos mais distantes de Deus.
Acho que tais comparações são típicas de um certo complexo de inferioridade, do tipo "a grama do vizinho é sempre mais verde". Acho mais: um tremendo provincianismo. Penso que se Messi é um cracaço de projeção internacional, se o papa veio de Buenos Aires, se Ricardo Darín é um ator excepcional, se Adolfo Perez Esquivel um humanista incomparável, melhor para todos nós, latino-americanos. Nesse ponto, Hugo Chávez estava certo: temos que nos orgulhar, antes de mais nada, do continente ao qual pertencemos.
Por que? Porque, por décadas, nossas conquistas intelectuais, esportivas, artísticas ficaram empanadas pelo desprezo com que europeus e norte-americanos (exceto os mexicanos e canadenses incluídos) nos devotavam.
Nos filmes, o bandido fugia para o Rio de Janeiro, capital de Buenos Aires.
O Zé Carioca era um papagaio malandro e com ojeriza ao trabalho, extremo oposto da pregação protestante que formulou a identidade dos Estados Unidos.
As brasileiras andavam com bananas, abacaxis e melancias na cabeça, como Carmem Miranda (e continuam sendo máquinas do sexo fácil, que atraem turistas de todo o mundo).
Cobras e jacarés eram facilmente encontrados nas ruas brasileiras.
O Brasil era somente o Rio; São Paulo jamais existiu.
Aliás, tínhamos tanta vergonha de nós mesmos que nas cédulas da década de 20 e nos selos vinha impresso Estados Unidos do Brasil. Quisemos superar nossa inferioridade, imposta em boa parte pela nascente elite pós-escravidão, no papel e no decreto. Sempre fomos República Federativa do Brasil, mas deixamos isso de lado por certo tempo.
Além da contribuição de uma elite europeizada na depreciação da nossa imagem, contávamos com o ranço imperialista a nos diminuir a importância e o potencial. Sempre fomos os "macaquitos" com que os próprios argentinos várias vezes nos brindaram nos jogos da Libertadores. Os americanos e os europeus brancos, de vergonhosa trajetória em matéria de direitos humanos, reforçavam tal ideia, copiada pelos "hermanos".
Tudo porque nossa cor é negra, porque aqui não dizimamos todos os escravos que trouxemos e índios que encontramos. Vários bem que tentaram fazer do Brasil um país branco, atribuindo ao negro e ao índio uma indolência que somente existe numa literatura, numa antropologia e numa sociologia datadas.
Não acho graça na terrível crise econômica argentina, tampouco na sequência de presidentes trapalhões (livro somente a cara do Alfonsín). Lamento somente. A Argentina é um país admirável, como o Chile, o Peru, a Colômbia, o Equador... A América Latina, em resumo, é admirável. Tudo o que legamos ao mundo, à Humanidade, é uma conquista de um sub-continente que foi durante década visto como um quintal de um vizinho opressor, uma região que deveria ser impiedosamente explorada (pelos de dentro e pelos de fora) como a África e parte da Ásia.
As conquistas do argentinos são, um pouco, a dos brasileiros, como as nossas igualmente um pouco as deles. Esse raciocínio o-que-eles-têm-que-nós-não-temos é ultrapassado e tacanho. Somente reforça diferenças que deveriam estar há muito superadas. É o olhar invejoso, triste, medíocre, inaceitável sob qualquer ponto de vista.
Péssimo texto, dona Ruth. Péssimo.
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