quarta-feira, 27 de março de 2013

Quem sai ganhando

Uma coisa já deu para perceber: Marco Feliciano está travando uma espécie de guerra santa. É a convicção dele quando assegura que não renuncia à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Do seu lado, uma multidão de evangélicos (e outros grupos que ainda não se atreveram a mostrar o rosto) que concorda com as opiniões do deputado-pastor sobre homossexuais, negros, céu e inferno.

O desgaste é imenso. Feliciano aposta no cansaço. Uma hora, a turma que vai para lá para desacatá-lo desiste. Sabe que esse pessoal tem fôlego curto e que desaparece, assim que a imprensa deixar de dar cobertura. Jornais e jornalistas são volúveis. Aquilo que começa como um vendaval vira um sopro semanas depois.

Terão dado a Feliciano os "15 minutos de fama" que garantirá sua reeleição, com o pé nas costas, ano que vem. Não chego ao ponto de dizer que se tornará um dos caciques da Câmara, mas certamente sairá maior do que entrou quando foi eleito para a comissão. As manifestações tiveram o poder de tirá-lo do baixo clero.

Não concordo, em absoluto, com qualquer opinião de Feliciano sobre negros, homoafetivos, futebol, política, filosofia, sociologia... Tenho ainda a mais completa ojeriza àquilo que representa; poucas religiões me incomodam tanto quanto os neopentecostais e seu discurso medieval e oportunista, herdado de miseráveis como Billy Graham ou Jimmy Swaggart - que chegaram de mansinho no Brasil, comprando horários nas manhãs de domingo em redes de TV com dificuldades financeiras, como a extinta Tupi.

Mas tenho que admitir que o direito de Feliciano é tanto quanto o de seus 512 colegas. Não existe, pelo menos contratualmente, o deputado sênior, com mais possibilidades do que o júnior. Portanto, se são todos iguais, o pastor pode fazer parte de qualquer negociação dentro da Câmara.

E assumir qualquer posto, assim como outros dos seus pares, cujas carreiras mais parecem poleiro de galinheiro. Mas que nem por isso são impedidos de coisa alguma.

Não votei em Feliciano, tampouco votaria. É o tipo de figura que desprezo, pelo que diz, pensa e representa. Mas temos de admitir: ele não é biônico, não ganhou a cadeira por dedaço do Palácio. O voto de quem deu a ele um mandato vale rigorosamente o mesmo que o meu.

Feliciano é um manipulador de ignorantes e aculturados. Sim e não. Se pegarmos o perfil do que são hoje estas seitas neopentecostais, constataremos que sua penetração vem subindo de estrato social. Têm uma mensagem mais terrena que qualquer outra. Quem não deseja prosperidade ou ouvir que ganhar dinheiro não é pecado?

Os caciques da Câmara fazem cálculos bem mais frios e não dão a mínima para a balbúrdia daqueles que acham que vão arrancar Feliciano a tapa do comando da Comissão. Tirá-lo seria comprar uma briga com um grupo de eleitores - os evangélicos - com imensa capilaridade. Ninguém ali desperdiça votos e quer ter passe livre em igrejas, centros espíritas, terreiros ou qualquer outro local de reunião religiosa.

Tentaram pregar em Dilma o cartaz de que seria favorável ao aborto, quando disputava a sucessão presidencia. Sabiam que essa era uma questão delicada para a hoje presidente e que a deixaria em saia-justa. Rebolou, enrolou, Lula entrou na área e chutou a bola na Lagoa. Henrique Eduardo Alves, macaco velho na política, disse que a situação de Feliciano era "insustentável". E só. Falou o que uma parte queria ouvir, mas não moveu - e nem moverá - um único músculo para tirar o colega de onde está.

Pior que a ira divina é a ira de um eleitor, cujo número é grande e só faz aumentar. Esse é o cálculo que Henrique e outros deputados fazem. Mais nenhum.

Saldo disso tudo: deram a Feliciano musculatura.

Acho, sim, que sua indicação não poderia ser recebida com indiferença ou aquiescência. Acho, sim, que grupos organizados deviam se manifestar contra mais uma decisão que mostra o quanto o Parlamento e o eleitor não andam de mãos dadas. Acho, sim, que os artistas e intelectuais deveriam assinar protesto contra aquilo que Feliciano representa.

Mas lamento profundamente que o ganhador dessa pendega será um personagem menor, sem envergadura. Um homúnculo será transmutado pelos setores mais reacionários e boçais em campeão da liberdade de expressão, e em messias de um culto inqualificável.


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