Houve uma gritaria quando o governo conseguiu passar na Câmara o regime diferenciado para contratações de obras para a Copa com o sigilo que, supostamente, seria para as empreiteiras não combinarem preços, tampouco fecharem a cartelização. Concordo plenamente que trata-se de um verdadeiro absurdo, por mais que Dilma Rousseff diga que os órgãos de controle estarão acompanhando os certames com olhos de lince. Olhos, no caso das instituições brasileiras, repletos de cataratas e glaucomas, pois, apesar do "controle", uma obra consegue custar o quádruplo daquilo que foi orçada. São tantas as espertezas, tantos os aditamentos, tantas as dispensas de licitação, tantas as emergências, que a gente sente vergonha de ser honesto, para lembrar Ruy Barboza.
O pior é que o governo estimula. Reportagem recente da revista Veja mostra que o governo é uma espécie de mãe gentil, o que torna ridícula a tese de que com projetos no Congresso pretende impor a moralização. Para quem não leu a matéria, digo aqui o que realmente acontece nas licitações para obras públicas: o governo tem uma tabela cujos preços são muito acima dos praticados no mercado. Exemplifico: se uma saca de 50 quilos de cimento está custando, nas chamadas "melhores casas do ramo", por volta dos R$ 18,00, na tabela do governo paga-se pelo menos R$ 2,00 a mais. Coloquem esses R$ 2,00 de diferença a favor das empreiteiras multiplicado por milhões que se verá o lucro astronômico que elas terão.
Isso acontece com o cimento, com o tijolo, com a brita, com a areia, com a massa corrida, com a tinta, com o gesso, com o vidro, com os conduítes, com os rolos de fio, com as caixas de passagem e tudo o mais que compõe uma obra. Assim, uma construção, uma reforma, já sai da base superfaturada.
A Veja mostrou que um puxadinho no aeroporto Santos Dumont deu um salto astronômico nos custos por causa simplesmente do vidro escolhido para cobri-lo. O projeto previa uma coisa, mas a viabilidade mostrou outra, mais cara. E quem está pagando por tudo isso? Claro que nós, simples cidadãos-contribuintes-eleitores, que ainda podemos ser chamados a dar mais sangue num possível imposto sobre o cheque - que o Palácio do Planalto está doido para reinventar.
Há tempos, ouvi a história de um velho jornalista de que a construção do Maracanã custou duas vezes mais que a prevista. E que o então prefeito do Rio, o general Angelo Mendes de Morais, foi um dos que mais teria faturado nessa brincadeira. Onde ele ganhou? No caminhão de areia. A malandragem é simples e não sei se ainda é feita hoje, de tão escrachada.
No portão do canteiro da obra fica um anotador, um camarada que toma conta de tudo que entra. Chega o caminhão carregado de areia, ele toma nota na lista de presença. Mas, lá dentro, o caminhão não desce a carga. Vai direto para um portão dos fundos, dá a volta e entra mais uma vez na fila dos caminhões de areia. Como as caras dos caminhoneiros são as mesmas, pois fazem dezenas de viagens por dia, o anotador não percebe a fraude. Isso quer dizer que o mesmo caminhão entra com a mesma areia pelo menos duas vezes, mas descarrega apenas uma vez.
Esse golpe, aliás, teria feito a fortuna também de um ex-governador do DF. Não na pessoa dele mesmo, mas do pai, na época da construção de Brasília, cujo cimento e o material de revestimento foi o mais caro do mundo - afinal, vieram de avião das grandes cidades, como Belo Horizonte, Rio ou São Paulo. Colocando-se na ponta do lápis o frete aéreo, a querosene de aviação, a remuneração das tripulações, as taxas de embarque e desembarque, chegaremos à conclusão que Dom Bosco previu tudo, menos quanto custaria para a cidade ser erguida.
Nas visões que teve, ele também não poderia imaginar a desonestidade do ser humano.
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