O governo está conduzindo erradamente o confronto com os militares e perdendo o tanto de razão que tem nesse episódio. Vou enumerar as lambanças num processo que já poderia estar debelado há dias, mas que, por burrice ou turrice, só cresce de dimensão:
1) Disse aqui que o ministro Celso Amorim é péssimo conselheiro e vem empurrando a presidente para o desgaste desnecessário. A decisão da crise com os militares deve, sim, passar por ele, mas não somente por ele. Os comandantes já deveriam ter sido chamados por Dilma a opinar faz tempo. Ela pode até não gostar da companhia deles, mas, no cargo que ocupa, não dá para discriminar em função de uma história do passado. A presidente é a comandante-em-chefe das Forças Armadas e deve se comportar como tal;
2) Os militares da reserva estão aproveitando para verbalizar uma resistência antiga a Amorim. Quando seu nome foi considerado para assumir a Defesa, em substituição a Nelson Jobim, a caserna torceu o nariz. Por que? Porque o tacham como um péssimo chanceler, que ridicularizou o país ao alinhar o Brasil a tudo o que há de mais desprezível atualmente no mundo - como a ditadura dos Castro, em Cuba; o regime ditatorial venezuelano, apesar do verniz democrático; a condescendência com Evo Morales, que roubou bens brasileiros sem que fizessemos coisa alguma; e, mais grave de tudo, a teocracia iraniana, fator de desestabilização do Oriente Médio. Ainda que o ranço do alinhamento automático aos Estados Unidos não tenha sido superado pelos militares da reserva, consideram que a dupla Amorim-Samuel Pinheiro Guimarães colocou o "viés esquerdista" nas relações exteriores acima dos interesses do país;
3) A reserva das Forças Armadas nada tem a perder com a série de provocações. O governo tem. O discurso sectário, ainda que justo, das ministras Maria do Rosário e Eleonora Menicucci, já deveria ter sido amenizado pelo Palácio do Planalto faz tempo. Os militares, como bons ferrabrás, não entendem que, como eles, ministro tem direito a opinião (ferir a lei é que são elas, e tanto Rosário como Eleonora não deram um único passo nessa direção). Ou seja: em boca fechada não entra mosca;
4) Sobretudo agora que um procurador militar (PROCURADOR MILITAR, é bom deixar bem claro) descobriu uma brecha na Lei da Anistia para poder investigar casos rumorosos, como o do ex-deputado Rubens Paiva e o de Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel. A matéria está no Globo de hoje; mais insuspeita, impossível. E por onde passa um boi, passa uma boiada. Começa com dois nomes de peso e chega àqueles cujos corpos não foram devolvidos pelos agentes da ditadura;
5) Assim, os militares são confrontados pela sua própria procuradoria. Isso por si só retira de elementos do governo o papel de fomentadores dessa discussão em torno do passado;
6) A presidente precisa perceber que está com a faca e o queijo na mão. Tem a autoridade e, sobretudo, se a crise chegar ao ponto da sublevação, dificilmente os revoltosos terão apoio da imprensa, como ocorreu no passado. Mas tem que evoluir para certas coisas. Sua ausência no funeral dos mortos no incêndio da base na Antártida foi sentida, apesar do fogo que foi apagar na disputa entre PT e PSB pela prefeitura de Recife. A fratura eleitoral pode ser compensada, a da contestação à autoridade não;
7) A presidente precisa entender que está com a faca e o queijo na mão. (Não, você não lerá o item anterior.) As Forças Armadas hoje são mal pagas e sucateadas. Está na hora de trazer essa discussão para o rol de prioridades do governo para ajudar a restabelecer o princípio da disciplina;
8) A indústria bélica brasileira acaba de tomar um baque
com o cancelamento da compra de 20 Super Tucanos por uma das forças
aéreas mais poderosas do mundo, a dos Estados Unidos. É mais um prego na
autoestima do setor militar nacional, que somado à carta dos clubes
cria um caldo difícil de digerir;
9) Não existiu, como não existe, razão para se adiar o reaparelhamento das Forças Armadas. Apesar da nossa cultura de paz, não é de hoje que o Brasil (pela importância que desfruta atualmente) precisa de um poderio compatível com seu status. O poder de dissuasão não representa que vamos disparar uma corrida armamentista no Cone Sul;
10) O governo vem acenando para o funcionalismo que não haverá reposição salarial esse ano. Os sindicatos deram início à mobilização e os militares da ativa, embora não possam se associar ou se manifestar, são parte interessada no processo. Se o Palácio disser apenas que não tem como pagar, mostra má vontade. Se apresentar cronograma e disposição para conversar, debela um calendário de greves. E cassa um discurso cristalizado dos militares, de que não são vistos com respeito e consideração.
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