segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Carta a um amigo

No post anterior, falei de um cara sensacional: o Velório. Eduardo era o nome dele e morava perto de mim, na Presidente Baker, coração de Icaraí. Ia sempre à casa dele naquela época em que trocavamos discos, emprestávamos fitas cassete e todos nós estavamos abrindo nossas mentes para o rock. Velório era um cara informado, talvez por estar um ano mais adiantado que eu no colégio. Seu pai, se não me engano, tinha uma charutaria na Visconde de Rio Branco, a "Rua da Praia", no Centro de Niterói. De praia, já naquela época, a rua não tinha nada: era local de comércio popular, popularíssimo, com todos os ônibus que iam para os subúrbios de Niterói e, sobretudo, São Gonçalo, parando de qualquer maneira ao longo do calçadão. E nem sombra de praia ou faixa de areia, já que ali estava a estação das barcas, de água suja de restos jogados pelos passageiros e de diesel vazado dos motores das lanchas. A isso ainda se somava o xixi de muitos que não tinham pudores.
Velório, grande sujeito. Foi na casa dele que conheci o Rush, que então tinha discos editados aqui na surdina. Para variar, no Brasil tudo é uma zona. Naquela época, para que ele completasse a coleção, era preciso comprar o primeiro da banda, simplesmente Rush. Detalhe: o Hemispheres, o sétimo, já tinha sido lançado aqui, um trabalho diametralmente oposto ao orgânico LP de estreia do trio canadense.
Com Velório soube de dois discos do Black Sabbath, até então ignorados por mim: o fabuloso Sabotage e o ótimo Technical ecstasy. Aporrinhei-o até conseguir, à base de troca, esses dois LPs. O Technical ele nem gostava tanto assim e consegui convencê-lo com relativa facilidade, mas o Sabotage eu tive de suar a camisa. Nem lembro o que entrou no negócio, mas não foi fácil, sobretudo porque éramos loucos pela faixa Sympton of the universe. Não os tenho mais, substituídos que foram por edições em CDs. Acho que ambos estão com meu irmão, Leonardo.
Ouvimos Uriah Heep juntos, assim como AC/DC (um colega comum, o Hans, tinha todos os disponíveis no Brasil), Foghat (razão de um terrível mal-entendido entre nós) e Deep Purple, cuja coleção eu começava a encorpar. E muita coisa mais: Grand Funk Railroad, Led Zeppelin, Rainbow, Yes, Emerson, Lake & Palmer... Até mesmo bombas, como Golden Earring - uma estranha banda holandesa, que fazia um rock insosso -, ou Automat - um sub-Kraftwerk italiano, cuja música principal do LP abria o antigo Jornal da Globo -, ou ainda Paul McCartney - lembro que ele tinha o Band on the run -, a gente colocava no 3 em 1 National Panasonic que ele ganhara do pai de presente de Natal. Eu também tinha um da mesma marca, que meu pai importara do Japão, mas que vivia quebrado devido à má qualidade do aparelho.
E as várias fitas cassetes que trocavamos? Eu gravava um monte de coisas de madrugada e, no sábado, passava lá para ouvirmos juntos aquilo que eu e ele conquistávamos em termos sonoros. Tardes regadas a muito Hollywood, que consumíamos em boas proporções. Sem cerveja, só papo, muito papo sobre música.
Tempos ingênuos, tardes generosas. O irmão de Velório, Rafael, era apenas um menino, assim como meu irmão era um pós-bebê. Eu o levava comigo para nossas jornadas sonoras. Leonardo adorava, ficava quietinho, brincando com carrinhos ou só ouvindo música. Já naquela época o garoto estava sendo criado à base de Kansas, Queen, Purple, Zeppelin, Sabbath, Lynyrd Skynyrd, Motorhead, Iron Maiden e uma porrada de outras coisas.
A vida nos levou para longe. Ainda estudante, lembro que Velório foi trabalhar no banco Bamerindus, cuja agência era pegada ao Plaza Shopping, no Centro de Niterói, em frente à extinta megaloja da Mesbla. Eu fui estudar no Rio, era tempo de pré-vestibular. Para nos separar, um disco do importado Foghat, que eu detestava - e troquei com ele -, nos deixou estremecidos. Nos encontramos algumas vezes depois disso, mas foi uma coisa meio sem graça, da minha parte e da dele. Enfim, vida que segue.
Escrevendo sobre música, revendo minhas memórias, reencontrei o Velório e seu rosto de semplante tristonho, mas que não justificava o maldoso apelido colocado pela rapaziada do São Vicente de Paulo. Grande cara. Sempre foi. Um amigão. E esteja onde estiver, receba um abraço desse amigo saudoso daquelas tardes e daqueles papos.   

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