quinta-feira, 18 de abril de 2013

Como transformar um oportunista em democrata

Não chego ao ponto de dar parabéns aos evangélicos, tal como fez Reynaldo Azevedo em seu blog na Veja.com, ao comparar a forma de protesto daqueles que apóiam Marco Feliciano com a dos seus adversários. Apesar do texto que considero brilhante (impressionante como os conservadores têm bons escribas e intelectuais), não sou cínico a este ponto.

Não bateria palmas jamais pelo fato de terem feito um protesto civilizado - isso é absolutamente claro - contra a presença de José Genoino e João Paulo Cunha na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Em silêncio, com cartazes de cartolina e sem dar um pio, foram lá dizer que os mensaleiros não têm condições morais e éticas de estarem onde estão. Ambos foram condenados, como se sabe, no STF e aguardam apenas o final do final do julgamento para cumprirem suas penas.

É o jogo jogado. Ou tem coisa mais dolorosa para os petistas que ver alguns dos seus sendo apontados como leprosos bíblicos, impurezas que tisnam águas límpidas?

Os partidários de Feliciano cumpriram bem o roteiro que lhes foi passado. Ao contrário daqueles que queriam (Ou ainda querem? Nunca se sabe...) arrancar o deputado-pastor da presidência da Comissão de Direitos Humanos, não houve gritos, barulheira, xingamentos, dedos na cara. Ninguém subiu na mesa nem enfrentou a segurança da Câmara. Não se verá foto de manifestante com a veia do pescoço estufada, vermelho descontrolado, disparando perdigotos, incontido de raiva babenta.

Malandramente, Feliciano conseguiu marcar a diferença. De um lado, a claque amestrada, certinha, mas democrática, de neopentecostais. Do outro, os fascistóides que na falta de argumentos acreditam que a coisa se resolve na base do cacete. Na batalha da comunicação, o deputado-pastor deu um verdadeiro baile. Os burraldos que foram até lá, subiram na mesa, tocaram apito, e fizeram da Câmara uma Casa de Mãe Joana maior do que ela já é, se auto-aplicaram a classificação de inimigos mortais da democracia e da variedade de opiniões.

(Não, de forma alguma acho que não devem protestar, manifestar sua contrariedade. Defendi-os quando perseguiram Yoani Sanchez por onde quer que fosse, quando ela aqui esteve. Acho mesmo que só foi impedida de falar porque aqueles que a trouxeram comeram mosca ao não providenciar segurança para que se expressasse. Sou partidário de todo e qualquer tipo de protesto. Posso não concordar com a forma nem com o conteúdo, mas nunca impediria quem quer que fosse de expor suas idiotices. Todos têm direito a falar, pensar e manifestar imbecilidades.)

Feliciano é o tipo do oportunista perigoso, que sabe jogar bem no tabuleiro da irritação alheia. Enquanto verberam contra ele, bosteja contra John Lennon, Mamonas Assassinas, negros, homossexuais, marcianos etc. Suas aparições são campeãs de audiência no You Tube. Sob uma ótica religiosa enviesada, vai obtendo projeção e espaço na imprensa. Se amanhã disser que o preço do tomate, esse inusitado vilão da inflação, tiver subido à estratosfera por causa da ira divina, pode ser que consiga influenciar as especulações do mercado financeiro.

Embora como farsa, o deputado-pastor segue o mesmo comportamento do senador John McCarthy. Acolitado pelo advogado Roy Cohn, seu assessor (e homossexual, registre-se) parlamentar, e pelo futuro presidente Richard Nixon, McCarthy foi a personificação do ridículo na radicalização anticomunista nos Estados Unidos. Vá lá que se vivia a Guerra Fria e que os Rosemberg tinham, pouco tempo antes, sido mortos por supostamente venderem o segredo da bomba atômica aos soviéticos. Mas o parlamentar, proclamado cavaleiro das liberdades democráticas, começou a enxergar até nas pedras da rua uma ameaça comunista.

Quando foi destroçado por Ed Murrow, no debate da CBS, McCarthy já estava na descendente. Ninguém mais levava a sério suas acusações, desde que convocou uma modesta empregada doméstica para depor, homônima que era de uma suposta acusada de espionagem comunista - a pobre mulher não sabia se comunismo era para comer ou passar no cabelo.

O que derrubou o senador foi a seara na qual seus adversários o enfrentaram: a das ideias. Se é para confrontar argumento contra argumento, veremos quem pode mais - pensaram seus antagonistas. Percebeu-se, então, que a caça as bruxas tinha um quê de pantomima e, principalmente, atentava contra um bem fundamental e caro da Constituição americana: a liberdade de expressão.

Aqui, fizeram o contrário. Os adversários de Feliciano não apenas tentaram enxotá-lo, como calá-lo. E da pior maneira possível: via protestos violentos. O efeito, evidentemente, foi oposto. O deputado-pastor, de figura risível, tornou-se arauto dos conservadores e campeão da liberdade de expressão - mesmo quando pediu o fechamento das seções da CDH teve razão, pois queriam impedi-lo de exercer a função para a qual fora eleito. E provocador, passou a postar na internet vídeos que, sabia, iriam aumentar a irritação de quem não se conformava com ele.

Imaginem se tivessem feito o mesmo com McCarthy?

Teria virado presidente dos EUA, fácil, fácil.

PS - E Henrique Eduardo Alves, que várias vezes disse que a situação de Feliciano era insustentável? Não vão cobrar nada dele por tais palavras? Não vão invadir o gabinete da presidência para forçá-lo a cumprir a promessa?

Ora, senhores...

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