terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Ao menos alguma grandeza

Vinha me furtando a escrever sobre Oscar Niemeyer porque criou-se um clima de "ame-o ou deixe-o", por mais que o bordão da ditadura possa parecer um sacrilégio se relacionado ao arquiteto. Houve quem o elevasse às alturas pela legado que deixou, assim como têm aqueles que desejam diminuí-lo devido às suas posições políticas. Nem uma coisa nem outra servem para qualificá-lo com alguma precisão.

Niemeyer, para mim, foi um homem coerente com seu tempo. Coerente com a incoerência, quero dizer. Não conheci nenhum intelectual de esquerda, no Brasil ou no exterior, que vivesse franciscanamente, da mesma forma que não soube jamais de alguém da direita, católica ou não, na mesma condição. De Sartre a Gustavo Corção, de John dos Passos a Alceu Amoroso Lima, de Carlos Lacerda a Eric Hobsbawn, jamais houve lugar para remediados financeiramente. A intelectualidade sempre custou caro; a formação de ideias é para poucos ungidos.

Os sistemas se sustentam na intelectualidade. Para cada facínora de esquerda ou de direita, há por trás um ideólogo, um pensador. Hitler tinha Alfred Rosemberg em seu governo; Stalin sustentava boa parte da sua condução política nos escritos de Gramsci; Roberto Campos deu um toque de finesse e de ironia à ditadura militar brasileira, assim como Raul Ryff e Darcy Ribeiro foram eminências na gestão de Jango.

Niemeyer se apaixonou pelo comunismo e por ditadores quando era necessário gostar deles. O mundo era ideológico, coisa que, hoje, parece uma imensa bobagem. Está aí a China, uma feroz ditadura comunista, gozando das satisfações e delícias que somente o capitalismo é capaz de proporcionar. Naquela época, não. Ou era uma coisa, ou outra.

Os cânceres do comunismo ainda não tinham vindo completamente à tona. E naquele socialismo ingênuo, quase estúpido, se acreditava que as massas precisavam de líderes para guiá-las ao paraíso da igualdade.

A geração do arquiteto, é preciso recordar, foi testemunha da exploração selvagem do homem pelo homem. (Concordemos que a selvageria hoje é um pouco menor?) Niemeyer nasceu não muito tempo depois da abolição da escravidão no Brasil. Da mesma maneira, viveu os efeitos da exploração dos "trustes" na economia nacional. (Deve ter queimado bondes da Light, o Polvo Canadense) Presenciou o massacre político da América Latina, da Ásia e da África. (E quedas e assassinatos de Patrice Lumumba, Jacobo Arbenz, Mossadegh...)

Ou as revoluções que vimos nesses continentes (e mesmo algumas da Europa) foram um mero convescote de desocupados? As guerras de libertação, um passatempo inconsequente. Ainda que em muitos casos o que veio depois não fosse muito diferente do que havia antes, não é possível acreditar que levantes se realizaram por pura carnavalização da política.

Não culpo Niemeyer por pregar o comunismo e viver numa casa no centro de um terreno de quase mil metros quadrados, cercada pela mais bela Mata Atlântica. Uma casa simples, é verdade, mas inalcançável ao proletariado de qualquer nação comunista. E como ele, outros.

Affonso Eduardo Reidy ainda tentou misturar as classes no belo conceito do Conjunto do Pedregulho, no Rio. Um condomínio inecreditavelmente humano, com apartamentos de um, dois e três quartos (dúplex!) dentro de um complexo que teria quadra de esportes, posto médico, jardim de infância, escola primária e piscina privativa. A localização? Nada mais working class do que São Cristóvão, perto do Centro, da Zona Portuária e da Zona do Meretrício.

Evidentemente que o sonho não deu certo. Assim como falhou a junção de estratos sociais nas quadras das asas de Brasília, pretendida por Niemeyer e Lúcio Costa. Aquilo que uniria pobres e ricos, trabalhadores braçais, servidores e senadores, ficou no papel. Os contracheques de muitos os expulsou para as então cidades-satélites.

Criticam Niemeyer, sua arquitetura e suas posições políticas de maneira hidrófoba. Já trabalhei em prédios desenhados pelo arquiteto e não gostei, pois falta-lhes a luz natural que tantou prezou em vários projetos. Mas, para mim, são o retrato de uma época, de outro Brasil, certamente mais pobre, incrivelmente desumano e terrivelmente desigual.

Recentemente, satanizaram Monteiro Lobato por causa de correspondências abertamente racistas e da descrição que faz de Tia Nastácia. Ora, para um homem nascido na segunda metade do século 18, o que se haveria de esperar? Quantos não foram criados ouvindo a catilinária de que preto não era gente e não merecia respeito? E que o judeu é avarento e usurário? E que o indígena é preguiçoso? E que o cigano é ladrão? E que o homossexual é sem-vergonha?

Pelo conceito de alguns que tenho lido, devemos nos envergonhar de Monteiro e de Niemeyer pelas ideias que manifestaram. A intransigência com eles, isto sim, é a burrice siderúrgica, a selvageria do politicamente correto, a estupidez da análise rasa, a incapacidade da falta de conteúdo. Reagem às ideias do arquiteto com uma vergonhosa virulência, como se as teses que professassem fossem as únicas e as mais aceitáveis.

Se ao crítico falta grandeza, envergadura, não pode faltar visão de mundo. Passa a ser mesquinharia.

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