segunda-feira, 23 de julho de 2012

De uma ponta a outra (ou minha admiração por Jon Lord)

Ouvi o Purple pela primeira vez ainda bem garoto. E foi uma coisa engraçada: ouvi dois extremos, o In Rock e o Come Taste The Band. O primeiro disco era o auge, o segundo a decadência - e nem por isso ruim.

No Natal daquele ano, acho que 1976, pedi a meus pais um LP de presente. Corri até a hoje falecida Stop, pertinho da praia de Icaraí, trouxe o Made in Japan. Ainda hoje é o disco ao vivo mais espetacular que já escutei. Ainda hoje me arrepio com o solo de Ian Paice em The Mule.

Foi por causa desse solo que quis porque quis aprender a tocar bateria. Paice era meu herói nas baquetas e tambores. Jamais tinha ouvido um pé esquerdo tão rápido no bumbo, mais parecendo que tocava com os dois. A técnica me deixou extasiado. Mas, concordemos, técnica era o que não faltava aos cinco integrantes da banda.

Conversando esses dias com meu irmão Evandro sobre a morte do Jon Lord, disse que ele juntava o melhor dos dois mundos sem parecer chato e pretensioso. Mostrei-lhe que Rick Wakeman fez somente dois bons discos, se você tiver saco para ouvi-los: Journey to the Centre of the Earth e The Six Wives of Henry VIII. O restante é sacal, tristemente classicoso. Ainda que ele possa usar a justificativa de que era filho do pianista Cyrill Wakeman, Rick não tinha o talento do pai. Nem o conhecimento.

Entre Jon e Keith Emerson, também fico com Jon. Sobretudo porque acho Jon mais maduro musicalmente. Pictures at an Exibition, do Emerson, Lake & Palmer, se perde por querer interpretar Mussorgski fora do seu habitat natural. Jon não incorreu nesse erro: quando juntou o rock ao erudito, o fez com composições próprias. Quando chamava Bach, tal como em Windows, era por pura aproximação.

A vantagem de Jon era que sabia conviver com suas limitações. Não buscava fazer barroco ou clássico no rock. Sabia que a mistura era indigesta.

Daí a razão de ser respeitado. Talvez dê mais trabalho montar uma obra do zero do que reinterpretá-la, mas é muito mais aceitável do ponto de vista da crítica. Afinal, não se tem termo de comparação. Pode-se não gostar, achá-la fraca ou incompleta, mas ninguém a colocará lado a lado com o original. Essa é o grande erro dos tecladistas de rock dos anos 70: perdiam de vista suas incapacidades.

Jon era um pouco mais velho. Em 1970, estava com 29 anos, contra uma média de 23/24 de todos os seus contemporâneos - além de Rick e Keith, David Greenslade, Tony Kaye, John-Paul Jones, Tony Banks, Vincent Crane ou John Evan, para ficarmnos apenas nos ingleses. Estava mais perto de Brian Auger do que dos demais. E quatro anos fazem imensa diferença quando o assunto é experiência e maturidade.

Concert for Group and Orchestra foi escrito por Jon com 26/27 anos. Não é uma grande peça e tem pecados sérios na interseção entre erudito e rock. Ainda hoje é confusa. Mas é a prova da capacidade de alguém que era visto como um coadjuvante de luxo, ao contrário dos quatro cavaleiros do Led Zeppelin. Gemini Suite, que veio na sequência, não é tão melhor assim, embora um pouco menos estabanada.

Windows e Sarabande sim, são trabalhos mais intensos, mas bem definidos. Já nessa época, Jon se dedicava a outras experiências além-rock, ao lado de Tony Ashton, uma espécie de alterego para aventuras distantes do Purple. First of Big Bands é um disco que merece ser escutado com altíssima atenção. Nem se diga que era o embrião do Paice, Ashton, Lord. Mas foi esse distanciamento da matriz do Purple que o permitiu criar coisas diferentes. Vejam o trabalho de Ritchie Blackmore: inalterável, embora com muitos momentos brilhantes. Não arriscava coisa alguma.

Derivei do Purple para falar em Lord. Achava que sempre teve reconhecimento abaixo da sua capacidade. Me enganei: vi notícias sobre a morte em todos os grandes jornais brasileiros. O Globo dedicou-lhe belo espaço, assim como o Estadão; a Folha, com seu "Jeito Folha de ser", cobriu satisfatoriamente; e no obitário da Veja deste final de semana está o registro, bem além do trivial. No site da Folha, li sexta-feira crônica do André Barcinski falando do Purple e de Jon.

Para quem não era o solista principal do Purple - tarefa essa entregue a Blackmore -, é o reconhecimento de que Jon era, no mínimo, um músico importante. Tal como Elvin Jones na banda de John Coltrane.


Os rostos de Lord, uma carreira de sucesso e de importância
 Podia ficar aqui escrevendo sobre seu trabalho estupendo em canções como Space Truckin', na versão do Made in Japan; ou seu trabalho no Hammond em Hush, ainda nos primeiros tempos, época do Shades of Deep Purple; ou como foi o alicerce do Whitesnake, pois ao substituir Pete Solley o grupo deu a arrancada que faltava para se consolidar; ou como sustentou o Purple depois da volta, nos anos 80, com Blackmore mais intransigente do que nunca; ou como deu a dignidade que faltava ao Purple quando da entrada de Tommy Bolin; ou como quando passou o bastão a Don Airey, no próprio Purple, pretendendo na reta final da vida fazer algo que estivesse à altura da sua capacidade.

Jon Lord é um heroi da minha juventude e, mesmo, da minha idade adulta. Quem sabe ainda vou poder sentar com meus filhos para mostrar-lhes o que é um grande músico, desses que fazem diferença.

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