segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Mais que má-fé, burrice

Em alguns dias, a gente não quer falar de coisa séria.

Faço essa pequena introdução para dizer que estava lendo um ótimo artigo de Ricardo Seelig, no blog Collector's Room, sobre a mistura de ignorância com má-fé quando dizem que o Led Zeppelin fez história plagiando artistas menos conhecidos.

Tudo o que ele diz, eu concordo. Ninguém se torna grande assim se for um mero copiador.

A primeira vez que ouvi falar disso foi quando alguém de mal com a vida disse que "Ride in the Sky", do primeiro LP do Lucifer's Friend, foi totalmente plagiada em "Immigrant Song", do Led III. Tudo por causa da entrada das duas músicas. Resolvi ouvir com calma uma e outra para concluir que, apesar da semelhança de alguns acordes, são canções totalmente distintas.

O princípio da aleivosia é justamente esse: atribuir a alguém, cuja importância é incontestável, a esperteza de tirar o pão da boca de outro que não tem a mesma projeção. A alemã Lucifer's Friend começou como uma boa banda de hard rock, mas, provavelmente por causa da falta de brilho dos seus integrantes, individualmente e coletivamente, foi cada vez mais seguindo na direção de um pop cafona e insuportável.

Depois do primeiro bom disco de estreia, que tinha tintas fortes do Uriah Heep e do Deep Purple, tudo o que veio depois tem pouca ou nenhuma importância. Aliás, o único legado do Lucifer's é o cantor John Lawton, que substituiu David Byron no... Uriah Heep!

(Que, curiosamente, a partir daí trilhou caminhada semelhante ao do Lucifer's. Lawton estreou no ótimo Firefly, continuou no razoável Innocent Victim e fechou sua passagem no péssimo Fallen Angel. Depois disso, o Heep se tornou uma banda medíocre, que continua assustando os incautos tal como um cadáver malcheiroso até hoje).

Mas, voltando ao Zeppelin, ninguém tem uma carreira vertiginosa à toa. Já no Led I mostrava a capacidade do quarteto. Ainda naquele ano de 1969, vinha o Led II, mais brilhante que o disco de estreia. E no ano seguinte, no Led III, ninguém mais tinha dúvidas sobre a capacidade de Page, Plant, Jones e Bonham.

Sempre usei este espaço para deixar clara minha paixão pelo Deep Purple. Mas não posso deixar de reconhecer: enquanto o quinteto fazia uma música ultrapassada já em 1968, o Led largava na frente. O Purple precisou de três discos (Shades Of, The Book Of Talyesin, Deep Purple e Concert For Group And Orchestra) para chegar à fórmula que o consagrou - e o colocou tardiamente no mesmo panteão do Zeppelin.

Quando se pensava que o Zep tinha esgotado a capacidade, eis que surge outro trabalho incomparável: Led IV. Houses Of The Holly aparece na sequência e é igualmente fabuloso. Num vácuo talvez de criatividade e provocado também por questões particulares, chega vez de Physical Graffiti, um album duplo somente com sobras (e que sobras!) de canções que tinham sido feitas e não foram incluídas nos discos anteriores.

The Song Remains The Same infelizmente se tornou somente o disco do filme do Zep, uma experiência pretensiosa e confusa, com base numa história sem pé ne cabeça que serve de pano de fundo para os shows do Madison Square Garden. Presence até hoje é subestimado e In Through The Outdoor seria um projeto de uma banda já cansada, mas disposta a algumas novas linguagens. Claro que, se comparado a tudo que havia sido feito até então, não é um bom disco, mas confrontado com muito do que estava sendo realizado por outras bandas, no mesmo período, In Through é, sim, bastante bom.

Nisso tudo, o Zep dependeu apenas das próprias pernas. Page era um guitarrista estupendo, com uma sensibilidade que ia do blues ao rock pesado, passando pelo folk. Plant era sua alma-gêmea e, ao contrário do Purple, ninguém consegue ver um cantor diferente fazendo a outra metade da dupla. Jones tinha a capacidade de materializar, com outros instrumentos, aquilo que Page imaginava. E Bonham... bem, Bonham ainda hoje é considerado referência quando se trata de somar técnica, balanço e peso à bateria.

O Zep era diferenciado. Pode ser até que tenha se inspirado em outros trabalhos - não na seara do rock pesado, mas na do folk britânico executado por bandas como Lindisfarne, Fairport Convention e até mesmo The Chieftains. Não é à toa que Sandy Dennis, cantora do Fairport, faz uma aparição especial em "The Battle of Evermore", uma das grandes canções acústicas do Led IV.

Por causa de toda essa bagagem, dizer que o Zep "chupou" outras bandas e consolidou assim sua trajetória, não é somente desonhecimento e má-fé. É burrice, acima de tudo. O que não faltava ao quarteto era disposição para criar, algo bem mais complexo que meia dúzia de acordes coincidentes.

As acusações de plágio renderam mais aos acusadores do que ao próprio Zep. A turma que aponta o dedo para Page, Plant, Jones e Bonham não faz mais nada a não ser pegar carona na fama alheia.

E convenhamos que, por esse processo, o Zep dá uma mãozinha até para quem é medíocre e obscuro.



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