terça-feira, 29 de maio de 2012

O declínio do rei sol

O que é a atitude do ex-presidente Lula a não ser empáfia e falta de senso de medida? Não, ele não está sendo empurrado pelos efeitos da química que se submete para a cura da doença. Depois de décadas dominando uma agremiação na qual todos lhe rendem vassalagem, e somado aos oito anos em que conviveu com todo tipo de sanguessuga na forma de áulico, seria natural que Lula acreditasse que tudo pode. Deixou o poder com altíssimos índices de popularidade e jamais se conformou com o fato de que se tornou uma criaura das sombras. Aquela força solar que somente o poder confere a quem o veste se perdeu.

Mas Lula vem cometendo erros. O principal: não segurar seus cães numa ofensiva contra a Veja, na CPI do Cachoeira. Ao eleger a revista como inimiga e instigar partidos e aliados a verberar contra relações inexistentes entre a publicação e o bandido goiano, o ex-presidente ultrapassou o limite da prudência.

Até então, o foco da Veja era José Dirceu. São inimigos figadais. Lula jamais tinha sido trazido para o centro do ringue. Claro que muitos dos ataques a Dirceu respingavam nele, mas o dano era periférico. Nos últimos tempos, o ex-presidente teve ainda a seu "favor" ter sido acometido de uma grave moléstia. Por questões estratégicas (afinal, não seria necessário angariar a antipatia geral e parecer injusta e implacável), a Veja recuou.

Lula, porém, voltou à arena. Primeiramente para eleger Fernando Haddad em São Paulo, ponto de honra para ele e para o PT. Em segundo lugar, porque todos no partido parecem demonstrar um desarvoramento geral, uma descoordenação completa. A vida segue, mas esbarra em Dilma, que já mostrou escutar mais sua intuição política do que os conselhos dos petistas que a cercam.

(Quem imaginou que colocaria cangalha na presidente deve estar lamentando.)

O passo seguinte foi atuar para enfraquecer o julgamento do mensalão. Por isso estimulou a CPI do Cachoeira, acreditando que acertaria de morte somente o governador Marconi Perillo. Desse saco de caranguejos vieram agarrados a Delta, Agnelo Queiroz e Sérgio Cabral Filho. Dano colateral previsível, sobretudo quando as gravações trouxeram o diretor para o Centro-Oeste da construtora.

Mas Lula continuou acelerando.

A CPI, formada, se vê hoje diante da desmoralização completa, que pode custar caro não apenas à imagem da instituição, mas aos próprios senadores, deputados e partidos que nela atuam. A primeira manifestação disso pode vir nas eleições municipais, termômetro para 2014. A comissão anda no fio da gilete, vigiada de perto pela imprensa, que a cada dia expõe manobras pusilânimes de figuras sórdidas.

Lula não pode dizer que a CPI era passeio. O próprio Romero Jucá, que apesar da falta de caráter inegavelmente conhece as manhas da política, foi um dos primeiros a avisar. E nem se diga que estava ressentido (embora estivesse) por ter perdido a liderança do governo.

Mas Lula continuou acelerando...

Com a vigilância cerrada da opinião pública e sob risco de desmoralizar-se e espalhar o prejuízo tanto pelos governistas quanto pelos oposicionistas, restava a Lula atuar naquela frente na qual acreditou ser a CPI remédio suficientemente forte contra o julgamento do mensalão. Novamente calçou meião e chuteira para ir a campo.


Com a aquiescência da cúpula do PT, sobretudo de Rui Falcão e José Dirceu, o ex-presidente deu início à série de conversas. Naturalmente que acreditava poder intimidar José Dias Toffoli, Ricardo Lewandowsky e Cármem Lúcia, hoje ministros do Supremo graças ao condão de Lula.

Com Joaquim Barbosa, também guindado ao STF durante seu governo, o ex-presidente já previa uma conversa mais árida e de resultado incalculável. Basta ver nas páginas da Veja as impressões que deu sobre o ministro. Pouco elogiosas; nada que o peso da sua presença não pudesse equilibrar pela via do constrangimento.

Mas Lula continuou acelerando!

Preferiu, então, começar por alguém que é classificado pelo PT como um inimigo a ser vencido: Gilmar Mendes. Figura polêmica e pouco querida, aceitou do amigo comum Nelson Jobim o arranjo do encontro. Que começou com amenidades até que chegou o momento de o ex-presidente dizer o real motivo daquela conversa. Lula, certo de que ainda é uma figura solar, introduziu o assunto do mensalão da pior forma possível, ao apontar que o julgamento, no atual momento, é inadequado.

Afoito, pensava poder jogar para depois da eleição a avaliação do caso.  "Depois da eleição" entenda-se empurrar com a barriga, pois, em 2013, alegaria que é véspera de 2014, ano eleitoral. E assim iria, de justificativa em justificativa.

Piorou tudo quando suspeitou que a ida de Gilmar à Alemanha, com Demóstenes Torres, tivesse ocorrido às expensas de Carlinhos Cachoeira. Lula prometeu ao ministro proteção na CPI. Proteção contra o quê? Sinal de que em algum momento o PT, ao longo do julgamento do mensalão, ia soltar os cachorros contra o ministro, não só para emparedá-lo, mas também para "melar" o trabalho da corte. E consolidar a ideia de que não somente o mensalão foi uma farsa montada "pelas elites" (seja lá o que isso signifique), como o caso está sendo crivado por juízes sem isenção e desonestos.

Quer dizer: Lula trabalha para cobrir o Supremo de vergonha e dúvidas em nome da defesa de uma quadrilha que assaltou sem dó os cofres públicos.

A crise é resultado da onipotência de Lula, não dos efeitos da quimioterapia ou da radioterapia. É fruto da arrogância, da certeza de que esse País é uma terra de leis complacentes e morais flácidas. Como o ex-presidente, que mede os acontecimentos pela própria régua.

Lula merce desprezo pelos lances de torpeza que protagonizou.

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