segunda-feira, 2 de abril de 2012

Passe da linha de fundo

Me diverti com a cena do gandula evitando um gol, num jogo do campeonato sergipano. Está no site da ESPN Brasil, com direito a comentário de Zé Trajano, com quem em priscas eras trabalhei na falecida Tribuna da Imprensa. Eu era um repórter iniciante enquanto ele era o diretor da redação do jornal de Helio Fernandes, que naquela época ainda mantinha algum respeito e credibilidade. Isso foi ali por 1984, 85. Como podem ver, sou velho nessa lida.

Mas a razão desse post é que já teve episódio de coleguinha (que é como nós, jornalistas, chamamos os iguais da profissão) fazendo o mesmo papel. Pelo menos foi o que me disse Robertão Porto, um dos últimos grandes cronistas esportivos desse país e não por acaso padrinho do meu ex-casamento. Admito que, por ser um contador nato de histórias, não sei se o que me foi relatado por Roberto se deu realmente. Mas o personagem que faz parte dessa gostosa croniqueta existe e está aí vivo e bem, graças a Deus.

Por razões óbvias, uma vez que não posso provar, omitirei o nome do radialista que protagonizou a cena que vou descrever daqui a pouco.

Posso dizer, porém, que foi meu companheiro de velhas jornadas nos treinos do Botafogo, em Marechal Hermes. Não que eu seja botafoguense: era repórter esportivo de O Globo. Ele, sim, jamais escondeu a condição de torcedor alvinegro. Fanático, diga-se.

O clube da Estrela Solitária, tão na moda agora por causa de Rodrigo Santoro e sua interpretação para Heleno de Freitas, naquela época vivia dias de um exílio forçado na rua Xavier Curado, subúrbio do Rio, bem perto do Campo dos Afonsos. O presidente era o bonachão Althemar Dutra de Castilho, mas quem mandava mesmo era Emil Pinheiro, um dos homens fortes do bicho no Rio. Emil fazia o tipo "low profile", apesar da peruquinha a esconder-lhe a calva. Falava mansamente, era simpático e, melhor de tudo, era o chamado "banqueiro de descarga" do bicho carioca.

Ou seja: era a seguradora do jogo. Segundo soube (e se não for isso, podem me desmentir à vontade), os banqueiros pagavam a ele tributo da arrecadação para que administrasse o dinheiro e, eventualmente, bancasse um prêmio milionário e inesperado.

Mendonça comemora gol com Renato Sá
Mas, voltando ao Botafogo e ao radialista. Na Rádio Nacional, no programa No Mundo da Bola (que não lembro se naquela época continuava sendo ancorado por Marcelo Rezende; mas se não fosse por ele, certamente era por Sidney Amaral ou Mário Silva), apresentava as delícias e maravilhas do Botafogo Futebol e Regatas.

Sim, para o radialista jamais havia tempo ruim ou crise no Botafogo. Registre-se que esse coleguinha não fazia nada que seus chefes não permitissem. Questão ética é, como diria Tim Maia, outra questão.

Mas, segundo Robertão, houve uma vez que esse radialista extrapolou das funções de torcedor e entrou em campo, literalmente, para ajudar o time. O jogo seria do Campeonato Carioca e o Botafogo jogava em Marechal - não me perguntem o nome do adversário; pode ser qualquer um dos pequenos do Rio.

Bola lançada na esquerda para Renato Sá, mas forte, além da conta. O atacante já estava desistindo da corrida, vendo-a atravessar a linha de fundo, quando entra em cena o coleguinha, que fazia ponta naquela partida. (Para quem não sabe: "ponta" era aquele repórter que ficava atrás do gol conferindo e confirmando as jogadas de ataque do time que vinha na sua direção.)

Apesar do microfone em punho, o radialista aproveitou que a bola se aproximava para, de onde estava, fora do campo, recolocá-la em jogo. Antes mesmo de juiz apitar o tiro de meta, rolou-a de volta para Renato Sá. Que deu duas passadas a mais e, de canhota, emendou o centro.

Como diria Valdir Amaral, "bololô na área"...

Enquanto a zaga adversária do Botafogo parava, surpresa com o "passe" do coleguinha, alguém meteu a cabeça na bola e estufou a rede. E pior: o árbitro confirmou! O bandeira correu para o meio do campo, o juiz apontou o centro.

Foi aquele sanhaço.

Primeiro,  os jogadores do time visitante cercaram juiz e bandeira tentando demovê-los do gol rigorosamente ilegal. Quando perceberam que o trio de arbitragem validara a bisonhice, voaram em cima do coleguinha. Que, por razões óbvias, tratou de sair correndo para não ser linchado. Dizem que continuou fazendo a "ponta" da sala da diretoria do Botafogo, ouvindo a transmissão de uma concorrente.

A Estrela Solitária já sofreu com injusto exílio no subúrbio
Não sei se o "gol" deu ou não a vitória ao Botafogo. Sempre que Robertão lembrava essa história, eu já estava rolando no chão, às gargalhadas, imaginanando a cena.

Uma coisa, porém, é verdade: Robertão várias vezes repetiu o mesmo episódio na frente do coleguinha, que jamais o desmentiu. Tampouco disse que "não tinha sido bem assim".

Então, para todos os efeitos, a história é "verídica e verdadeira", como diria a Ofélia de Fernandinho.

(Para meu queridíssimo Robertão, companheiro de grandes e saudosas jornadas na redação da Tribuna. E para meu sobrinho Lucas, torcedor de um Botafogo que eu vi começar a renascer no já distante ano de 1989, com Valdir Espinosa, Búfalo Gil, Paulinho Criciúma, Maurício, Josimar, Luizinho, Mauro Galvão, Wilson Gotardo...)


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