quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cinismo, códigos morais, regências sociais e censura

Leio na coluna da jornalista Eliane Brum,  no site da revista Época, que está circulando pela net um vídeo bizarro: de uma mulher que, em plena agência bancária, defeca, enquanto é filmada (obviamente pelo celular) por outra (ou outro). Não vi o vídeo, nem vou ver. Evidentemente que a mulher que comete o ato de sujar o hall de um local público está fora de si - se permanentemente ou não é outra história. Paira a dúvida sobre a sanidade dessa pessoa. Mas não há qualquer dúvida sobre o cinismo de quem saca um aparelho do bolso e se diverte com a patetice alheia.
Eliane defende que, tanto a mulher que defeca quanto a (ou o) que filma, estão em estado de completa barbárie. Ignoram as regras de convivência em sociedade, atropelam questões morais, embora por razões diferentes. Acho essa questão filosófica demais. Penso que podemos resumir tudo numa pergunta: onde está nossa auto-censura?
Quem não tem auto-censura também está em estado de barbárie. Isso é certo. Mas a net tem estimulado tais coisas. Estamos vivendo a época dos extremos: depois de décadas de repressão, passamos pela fase do vale-tudo. Não há rédeas, não há privacidade. Precisamos achar o quanto antes o ponto de equilíbrio.
Não podemos aceitar a expressões igualmente cínicas, como "vê quem quer" ou "quem procura acha", para justificar esse estado absoluto, quase animal, de liberdade. Censura tornou-se uma palavra maldita, ainda mais nos trópicos. A simples menção desperta reações apaixonadas, esgares de nojo. Mas, o que fazer quando um vídeo de uma mulher defecando numa agência bancária começa a circular na net? Damos as costas e dizemos "vê quem quer"? E nossa responsabilidade?
O "deixar pra lá", a indiferença, é tão bárbara quanto quem caga e quem filma. É igualmente cínica. Temos um compromisso uns com os outros, ainda que não admitamos isso. O site, por dever de ofício, deveria, sim, censurar. Cen-su-rar! Quem perderia se esse vídeo fosse tirado do ar? A liberdade de expressão ou o direito à informação! - dirão os mais exaltados. Que liberdade? Que direito à informação? Desde quando filmar alguém em estado ridículo informa algo? E que liberdade é essa que clama por ver uma mulher desequlibrada entre dejetos?
Não vamos confundir cinismo com liberdade. Não são sequer parecidos os dois conceitos. Quem exibiu, o fez por não saber exatamente o que é compromisso social, embora jamais vá admitir isso - talvez já esteja acostumado com cenas de violência semelhante. Será até capaz dizer que fez um trabalho jornalístico, assim como esses programas que acompanham equipes da polícia em busca de criminosos. Isso não é jornalismo: é curiosidade, mais nada. Jornalismo é muito diferente de mostrar um carro da PM perseguindo bandidos até algemá-los.
Sordidez dá ibope, gera audiência. Quem apresenta programas dessa natureza defende: é jornalismo. Quando confrontado, diz que é liberdade de expressão. E se derrubado mais esse argumento, alega: "vê quem quer".
Voltamos ao marco inicial, o do cinismo e da falta de censura. O vídeo da mulher não vai para a TV pelo mau gosto, mas pode circular livremente pela net. Qual a diferença entre uma e outra, já que as redes se utilizam da rede quando precisam? Talvez seja porque as televisões atingem milhares de lares e a net não. Mas quem disse que códigos morais valem somente para um desses veículos? Não são de comunicação?
E códigos morais não representam alguma espécie de censura, de balizamento? E quem tem menos nesse episódio: a desequilibrada que defeca ou a pessoa que filma, tida como normal?
Pois é.

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