sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Um disco impressionante

Enquanto escuto o estupendo álbum quádruplo do Chicago no Carneggie Hall, o Chicago IV, gravado no começo da década de 70, vou me espantando com a sabedoria musical de jovens que mal haviam passado da faixa dos 20 anos de idade. Ainda que, poucos discos depois, a banda se tornasse num grupo pop de qualidade duvidosa, mas indubitavelmente bom, ouvi-la no começo da carreira fazendo uma música de tamanha complexidade faz pensar na formação musical como ensino sério e formal.
O Chicago (que já tinha deixado de ser Chicago Transit Authority por processo judicial movido pelo Departamento de Trânsito da Windy City, berço do blues elétrico e da Chess Records, e palco das vilanias de um certo Alfonse Capone) acompanhava aquela trilha que misturava rock com jazz, sem fazer jazz-rock ou fusion. O rock estava ali, assim como o blues, mas com uma levada diferente, dissonâncias e aspectos da música orquestral. O Blood, Sweat & Tears de David Clayton-Thomas, Bobby Colomby, Al Kooper e Mike Bloomfield fazia algo semelhante e brilhante o suficiente para durar pouco e entrar para a história.
Voltando ao Chicago. Girando em torno do excelente guitarrista Terry Kath (que, reza a lenda, fez Jimi Hendrix babar na gravata), tinha um trio de metais de tirar o chapeu (James Pankow, trombone; Lee Loughnane, trompete; Walt Parazaider, saxes e flautas), um baixista seguro (Peter Cetera), um baterista de bom nível com feedback de jazz (Danny Seraphine) e um tecladista, compositor e cantor que fazia a diferença (Robert Lamm). Quando se ouve composições como Does anybody really knows what time is?, Questions 68 & 69, Begginings ou 24 or 6 to 5, se percebe uma maturidade impressionante. Ainda que estivessem no conservatório de música desde cedo, a criatividade nos arranjos e a estrutura das canções é invulgar.
Os quatro CDs - na verdade três são o show original e o quarto é de sobras da temporada no Carneggie - dão imenso prazer. Boa parte das canções faz parte do repertório ao vivo do Chicago, que as executa ainda hoje com pequenas alterações. Sinal de que não foi preciso atualizá-las por estarem datadas. Muitas bandas fizeram rearranjos com o intuito de buscar novos públicos, penetrar em faixas etárias menores para segurar público. Esse material do Chicago passou no teste do tempo.
Claro que o CD quadruplo não saiu no Brasil. Vi-o certa vez na Fnac, numa caixa luxuosa, que custava mais de R$ 200. Um exagero evidente, que me fez recorrer à pirataria na internet, mas que por alguma estranha razão não materializei em CD. A versão que ouço está no meu pen drive, em MP3, que com um bom fone de ouvido não omite nada (digo isso para terror dos puristas, que, como puristas, são irracionais).
Mas isso pouco importa.
É um disco impressionante, já que a banda consegue reproduzir exatamente aquilo que fizera em estúdio. Sobretudo quando se pensa que, não muito distante desse trabalho, o Chicago passou a escrever música mais fácil, afastando-se da origem jazzística. Não que os discos que vieram a seguir sejam péssimos (ao contrário), mas, musicalmente, empobreceram.
E não digam que a morte de Terry Kath foi a responsável por essa guinada, pois participou dela. Tampouco se pode atribuir a feição pop à entrada do brasileiríssimo e competentíssimo Laudir de Oliveira na percussão. É evidente sua colocação na banda justamente por causa do acento mais palatável que o Chicago assumiu.
Hoje a banda está na enésima formação, mas girando em torno de Lamm, Pankow, Parazaider e Loughnane. Alguns dos integrantes que vieram depois já estão completando quase 20 anos de grupo (como o baterista Tris Imboden ou o baixista e cantor Jason Scheff) ou 30 (como o cantor, guitarrista e tecladista Bill Champlin). Guitarristas foram vários, desde Donnie Dacus (que substituiu Kath logo após sua morte) a Michael Landau, passando Dawayne Bailey.
Dos integrantes originais, Peter Cetera chegou a fazer bem sucedida carreira-solo por conta da boa aparência e a inconfundível voz de falsete. Danny Seraphine formou uma banda de jazz na California e deixou o circuitão. E Laudir, que entrou no grupo ainda com Kath vivo, se encheu dos compromissos pesados do supergrupo: com a boa aposentadoria à base de direitos autorais, voltou para o Rio, onde toca com quem quer e bem entende. É possível vê-lo nos bares da cidade dando aula de ritmo para a moçada mais nova.
Chicago IV marca o fim da primeira fase da banda, que já taxiava rumo ao estrelato.

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