quinta-feira, 26 de maio de 2011

Onde caiu o parafuso

Desde garoto gosto de relógios. Meu velho, virava e mexia, aparecia com um novo no pulso. Geralmente eram os japoneses, trazidos pelo Miguelzinho Grumblatt, de quem comprava. Seikos eram comuns lá em casa, até que surgiram Citizens e Orients, as três grandes e principais marcas da terra dos terremotos.
Um dia o coroa apareceu com um GUB, da Alemanha Oriental. Morri de rir. Fundo azul, cafonérrimo, parecia ter saído da década de 60. Não sabia que GUB significava Glashütte Uhren Betrieb, mais ou menos União das Relojoeiras de Glashütte, cidade alemã com tradição secular no ramo. Ou seja: o velho teve um Union Glashütte ou um Glashütte Original, das maiores marcas da alta relojoaria, nas mãos e eu estava rindo porque era da Alemanha Oriental. Não sabia nada mesmo.
Ano passado, fui a Basiléia e havia me prometido que, da Suíça, traria um relógio. Até então tivera peças modestíssimas, exceto por um Jaeger LeCoultre do final da década de 40, que trato como meu maior xodó. Não apenas por ser do grande atelier, mas porque quem me deu era muito especial. Um dia conto essa história.
Depois de nove horas até Paris e mais uma e meia até o aeroporto de Basel-Mulhouse-Freiburg (explico: o complexo atende três cidades em países diferentes: Basiléia; Mulhouse, na França; e Freiburg, na Alemanha), e mais uns 30 minutos de táxi até dentro da cidade, finalmente Basiléia. Cheguei por volta das 14h30 e, apesar do cansaço e do frio intenso, bater perna era obrigatório. Dei meu alô ao Reno e segui rumo ao centro de Basiléia, cidade de pouca gente nas ruas e tráfego mínimo. E era dia de semana.
Depois de rodar, onde estarão os relógios? Joalherias. Meu susto foi grande: 2 mil, 3mil e muito mais em francos suíços por cada peça. Marcas famosas e outras nem tanto. Ia por água abaixo o sonho de trazer um bichinho desses.
De noite, depois do jantar, uma volta pelas cercanias do hotel. Poucas almas na rua gelada, mas isso não me intimidou. A sensação de segurança era absoluta. Na volta, uma vitrine iluminadíssima, sem grades, sem nada que pudesse afastar quem passava da vidraça. Um antiquário de... relógios! E com preços convidativos. A viagem estava salva.
Dia seguinte, depois de trabalhar, fui até o antiquário, que era bem próximo ao hotel. A conciérge de mais de 70 anos me indicou o botão certo do interfone do dono do antiquário. Era de um inglês, Terence Howell, radicado em Basiléia. O sujeito, alto, simpático e bem falante, me cumprimenta com efusão. Acho que depois de muito tempo ele tinha um freguês.
Junto à vitrine, descarto logo de cara uma fileira de Rolex. Estavam sem preço e não quis saber quanto eram. Certamente caros, pois Rolex é Rolex. Prestei atenção para não passar ridículo ao escolher um Patek Phillippe e não desmaiar com o preço. Terence pacientemente foi me mostrando o que tinha, até que cheguei num Tissot.
Tissot!? O cara vai a Basiléia e escolhe um Tissot!? Explico: primeiro, que a marca não era essa coqueluche atualmente; segundo, que fiquei com medo de queimar meus euros e ter algum problema no retorno ao Brasil. Cartão de crédito, imbecil! Não é bem assim, além do mais a máquina do Terence não funcionou. Justamente comigo. Mas há quanto tempo aquela máquina não via cartão?
Terence abriu o relógio, me mostrou a máquina (está lá bonitinho gravado na tampa traseira, por dentro: Tissot et Fils), puxou um catálogo e o localizou pela aparência. Fabricação ali pelo ano de 1961, 1962. O preço estava bom, decidi-me por ele.
Antes, porém, lancei o olho num cronógrafo Heuer, que me parecia da década de 50. O preço: mais de 2 mil francos suíços (que eram parelhos com o dólar; hoje...). Caríssimo. Por quê?
"Chronographs are another rank", disse-me Terence, que de forma subliminar me avisava que aquilo não era para meu bico. Tenho de admitir que os cronógrafos automáticos são, realmente, obras de arte.
Fiquei sabendo por Terence também que os suíços não admitem que um relógio de antiquário não esteja nas mesmas condições de um novo. Mais: que os colecionadores dificilmente compram relógios do Brasil por causa do estado de conservação e, em alguns casos, da maresia. Preconceito? Talvez. E que se eu quisesse comprar relógios antigos fora da Europa, que buscasse somente nos Estados Unidos, onde há um mercado pujante e com peças de qualidade.
Puxei da carteira as notas de euros novinhas. Ele brincou, dizendo que tinham sido feitas naquela manhã. Respondi-lhe brincando que os chineses faziam excelentes falsificações de Tissots da década de 60 para vender em antiquários na Suíça. Rimos. Apertamos as mãos.
Até qualquer dia.

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