segunda-feira, 30 de maio de 2011

Dos perigos de se ouvir demais

Não foi sem certa surpresa que li, na primeira página de O Globo, sábado, que a discussão entre Michel Temer e Antônio Palocci tinha incluído até mesmo uma palavra chula, com a qual o vice teria pontuado o entrevero com o ministro. Achei estranho, porque Temer sempre me pareceu extremamente fleugmático para dar uma resposta atravessada dessas, conforme era relatado em uma coluna publicada somente naquele dia no jornal. Desde os tempos do massacre do Carandiru, quando Temer emergiu para o grande público como secretário de Segurança Pública de São Paulo e em meio a uma crise de tamanha magnitude, que vejo nele a personificação da frieza. Seja qual for o assunto, no contexto que vier, não se altera, mantém sempre o mesmo tom de voz, a mesma acentuação facial.
Pois bem: na primeira página do site d'O Globo de hoje está o veemente desmentido de Temer. Garantiu que jamais usou a palavra chula publicada na primeira página e na coluna da página 3. A afirmação do vice conta com o endosso de outro ministro, correligionário de PMDB, Moreira Franco. E para ultrapassar o mal-estar visível causado por uma informação equivocada, segue-se uma entrevista de respostas estranhamente lacônicas. Antes, porém, há uma enorme introdução sem muito sentido, na qual só se entra no desmentido propriamente dito mais para baixo do texto. Ou seja: se você chegou até ali, ficou sabendo exatamente a razão da entrevista.
Me fez lembrar outro colunista, que conheci bem de perto (e não se qualificava como colunista, dono de jornal - que era - ou coisa do gênero, mas simplesmente como "repórter"), cuja coluna certa vez adentrava a mansão de Nelson Rockefeller. Descrevia a escadaria do térreo para o primeiro andar como sendo uma obra de arte composta de vários tipos de mármore italiano. A riqueza de detalhes me espantou.
Depois que fui trabalhar com ele, e o conheci bem de perto - evito citar-lhe o nome para não dar tamanho prazer, sobretudo agora que está esquecido - , vi que a escadaria de Rockefeller e outros episódios não passavam de ficção. Numa palavra mais cruel: mentira. Diálogos inventados, descrições equivocadas, análises maldosas, previsões estranhas - tudo porque este jornalista, que fora grande um dia, não admitia o ostracismo; ou seu irmão ser lembrado e ele não. Seu jornal perdera totalmente a importância e fechou melancólicamente as portas em 2008, sem falir e deixando dezenas de estóicos funcionários na mais completa miséria. Este jornalista ainda ensaiou a farsa que de o jornal um dia voltaria. Virou somente um blog, como este aqui, tocado por um profissional que considero correto, já que o "repórter" fora vencido pela idade e por sérios problemas de família.
Disse tudo isso para observar o seguinte: se o vice-presidente da República usasse a expressão chula que usou, a primeira coisa que eu faria seria ligar para ele. Se eu que estou de longe e não conheço o Temer desconfiei, por que o colunista, macaco velho de Brasília e de desenvolto trânsito pelos gabinetes mais fechados do poder, não fez o mesmo? A menos que eu fosse testemunha ocular - e assim mesmo pedisse autorização para publicar o que presenciei -, algo dessa natureza eu não deixaria na boca da fonte. Ou confirmaria ou não publicaria, tamanho seu poder explosivo.
Não tenho a experiência e a desenvoltura do colunista, que pode até mesmo pegar briga com um deputado do Rio de Janeiro, na qual a troca de farpas vai além daquilo que estou habituado. Também não tenho espaço tão nobre, num jornal de tamanha importância. Se o fez sem ouvir o Temer, deve ter havido razão para tal. Digo somente que eu não faria assim, porque venho aprendendo a duras penas que não há ascensão que não possa se tornar queda. Teria, sim, sentado em cima da informação se não tivesse conseguido confirmar com o vice. E se ele me desmentisse, ligaria imediatamente para quem me relatou o episódio para cobrar-lhe explicação, pois se a experiência de vida nos ensina algo é não cair em algumas armadilhas.
É nessas horas que velhos ditados parecem sábios e inventados por alguém que sabe exatamente o que representam. Tal como aquele que diz que "prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém".

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