segunda-feira, 7 de novembro de 2011

É para ser derrubado

Vi atentamente a cena em que o cinegrafista da Band é atingido por um tiro fatal, disparado por um traficante da Favela do Antares. Embora não possa garantir, tenho a desconfiança que, quem  disparou, o fez de propósito e com uma arma de longo alcance. Não poderia afirmar que foi um rifle com mira, mas não creio que tenha sido um fuzil, que é menos preciso a grandes distâncias. E se o cinegrafista foi atingido por uma arma específica, quem disparou o escolheu como alvo.
E isso é grave, gravíssimo, aliás. É sinal de que o jornalista está sendo colocado no mesmo patamar do policial - o de alvo. Não estranharia. Cinegrafistas, fotógrafos, repórteres e todos os que pretendem cobrir uma guerra são vistos muitas vezes como inimigos, já que registram quase sempre somente um lado. Nesse caso, o dos policiais. Como o aparato de segurança, em tese, está do lado da lei, imagens e relatos costumam ser de acordo com o que as fontes oficiais dizem. Na guerra da informação, os bandidos também saem perdendo.
É um raciocínio enviezado, mas faz sentido. Na cabeça do marginal, ele não oprime a favela. Quem faz isso é o policial, corrupto ou não. Na cabeça do traficante, ele tem até "consciência social" - para usar uma frase cínica tirada do Tropa de Elite I -, ajudando no gás, no remédio, na compra de mês. Claro que tem a contrapartida, como guardar um arsenal, dar abrigo a um foragido, esconder uma carga de drogas. Mas, na cabeça do bandido, essa é uma relação cordial com a "comunidade". Até simbiótica.
A polícia é quem chega dando tapa, distribuindo tiro, humilhando - sempre na visão do traficante e, supostamente, na do morador da favela. E a imprensa que sobe junto não vê nada disso, porque, claro, isso não é feito na frente dela. Daí porque, para o bandido, jornalista passa somente um lado da história, que é o lado do suposto opressor. O malandro é um coitado, uma vítima. Sendo assim, repórter, fotógrafo, cinegrafista é inimigo também.
Não vou nem citar o caso envolvendo Tim Lopes para exemplificar o que estou falando. Há casos nos quais fica clara intenção de matar quem é da imprensa. O cinegrafista argentino Leonardo Henriksen virou alvo de um grupo de soldados, no golpe do Chile. Imagens que não deveriam circular o mundo o colocaram na mira de um fuzil. Não havia engano: quem deu o tiro sabia no que estava atirando.
Outra imagem difícil de esquecer foi a da morte do jornalista americano Bill Stewart, na guerra civil da Nicarágua. Um jovem soldado das tropas de Anastazio Somoza mandou que deitasse no asfalto e disparou-lhe um balaço na cabeça. De longe se pôde ver o corpo vibrando com o impacto do disparo. Ali também a ideia era intimidar, mostrar que a imprensa não era amiga e que, supostamente, assumira  um lado, o dos sandinistas.
As imagens feitas pela Globo, no Complexo do Alemão, ano passado, dos traficantes fugindo feito batatas tontas os humilhou. Mostrou que são um bando, sem estratégia de defesa, desarticulado no ataque e desorganizado no comando. A imprensa, na cabeça deles, os mostrou como uns covardões que só se sustentam porque a força da bala sobre a população desarmada é desproporcionalmete maior.
Talvez a morte do cinegrafista tenha sido uma vingança atrasada. Não afasto a hipótese de que quem tenha atirado nele o tenha visto como um inimigo que carregava uma câmera em vez de uma arma. O bandido, no seu raciocínio maniqueísta e rastaquera, gostaria de passar sua história, dizer que não é tão ruim, que é até bonzinho. Afinal, é um comerciante e, no capitalismo, o que manda é a lei da oferta e da procura. Se ele vende cocaína, crack e maconha, é porque, "na pista", tem sempre alguém a procura. E se não fosse um comércio tão lucrativo, a polícia jamais tentaria abocanhar um quinhão.
É essa polícia que, de alguma forma, dá cobertura ao jornalista, que com ela entra na favela, mas não registra tudo que deve ser registrado. Para o bandido, a imprensa vê o que quer ver; vê o relato oficial, o que interessa ao governador, ao secretário de segurança. Respalda os pontapés, tapas, humilhações e balas perdidas distribuídas pelas forças do estado.
Então, jornalista é alvo também, é "alemão" também. Mas parece que ninguém tinha percebido isso. E na guerra, inimigo é para ser derrubado.

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