sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Meeting Johnny Winter

Vi uma boa quantidade de shows na minha não tão larga vida. Tive a chance de ver o Deep Purple renascido, com Gillan e Morse, com Turner e Blackmore, mas por poucos dias perdi o do Led Zeppelin. Vi o Black Sabbath com Ozzy Osborune e vi o Black Sabbath travestido de Heaven & Hell, com Ronnie James Dio. Vi a grande formação do Jethro Tull (Anderson, Barre, Barlow, Glascock, Palmer e Evan) e outra nem tão glamurosa assim (Anderson, Barre, Palmer, Vettesse e Perry). Até dormi num show do Renaissance. Mas nenhum show foi tão fantástico quanto o de Johnny Winter.
Meu primeiro disco desse que para mim é o maior guitarrista de blues elétrico em todos os tempos (respeito todos, de Clapton a Gallagher, dos Kings [BB, Albert e Freddie] a Guy, e deles tenho vários discos) foi Austin: Texas, uma reedição de The Progressive Blues Experiment. E quando o vi, foi exatamente no local em que gravou este disco histórico: o Vulcan Gas Company, que era uma espécie de casa de shows, exatamente em Austin, capital do progressista estado de Tejas. O nome se explica porque ali funcionava uma companhia de gás liquefeito de petróleo que foi incorporada, creio, pela Gulf & Western. Removidas algumas paredes, o prédio baixo acabou servindo a um restaurante popular de manhã e uma boate de música ao vivo, à noite. Que rapidamente tornou-se o templo do blues texano.
Quando aconteceu o show, Johnny estava consolidando a nova banda. Floyd Radford, segunda guitarra, deu lugar a Pat Rush; Richard Hughes abriu a vez para Bobby Torello na bateria; e Jon Paris entrou no lugar de Randy Jo Hobbs no baixo, agregando ainda a gaita. Exceto por Radford, Johnny vinha tocando com Hobbs e Hughes há séculos.
Quem nunca viu Johnny se assusta com o tipo físico: magérrimo, branco feito neve, cabelos ralos e branquíssimos, estatura pelo metro e setenta; parece que vai ser levado ao menor pé de vento. Fez das Gibson Firebird "invertidas" sua marca registrada. Tiver a oportunidade de pegar uma certa vez: é pesada, de madeira sólida, até um pouco incômoda. Outras Gibson que segurei são um pouco mais leves. Mas o que importava a Johnny era a sonoridade única das Firebird, que se destaca das SG, das Explorer, das Les Paul, até mesmo  das Firebird "straight".
Naquela noite, Johnny tocou com duas: uma toda branca e uma de madeira avermelhada e escudo preto. Lindas! Vê-lo executar o slide é uma verdadeira aula de destreza e de bom gosto. Não tem nota perdida, show de técnica gratuita. A mão de Johnny desliza acariciando o braço a guitarra. E segundo os especialistas, somente ele consegue tocar certo com o slide, que é no dedo mínimo - o outro que faz assim, se minha memória não falha, é Dickey Betts, ex-Allman Brothers Band, o segundo maior guitarrista de blues elétrico da história, cabeça a cabeça com Duanne Allman. O restante, inclusive Clapton, adapta para o dedo anelar. Enfim, não existe jeito certo ou errado, o que existe é bom gosto. Mas Johnny e Dickey tocam mais certo que os certos.
Johnny estava divulgando o disco Red, Hot and Blue, que é subestimado até hoje. Talvez porque esperassem dele algo mais na direção dos clássicos John Dawson Winter III, Saints & Sinners ou Still Alive and Well. Mas quando o pau quebrou, começando por Bonnie Moronie, todo mundo esqueceu de banda nova, disco novo, o escambau. Todos ficaram hipnotizados com aquele quarteto fabuloso, executando clássicos do blues e de Bob Dylan de forma impecável.
Aliás, sobre Johnny, Dylan certa vez falou: "Ele é insuportável. pega minhas músicas e toca de um jeito que fica tão melhor que depois eu mesmo não consigo tocá-las". É verdade. É só ver a versão de Highway 61: é uma outra música e considero que foi Johnny quem a tornou definitiva. O ritmo acelerado, vibrante, os versos entrecortados com pequenos solos, que se abrem para um solo maior - tudo é sensacional. Claro que não faltou Still alive and well, Cheap tequila, Good morning little schoolgirl, Broken down engine, Rollin' and tumblin' e outros clássicos do cancioneiro "johnnyano".
Uma noite fabulosa de blues e rock. Johnny é, sobretudo, um cara generoso musicalmente: o segundo guitarrista não faz base para ele, mas divide os solos. E para tocar com Johnny, o sujeito tem que ter estatura, como foi o caso de Rick Derringer, Floyd Radford ou Pat Rush, que utilizou duas Gibson - uma Les Paul suburst e uma 345 vermelha. Atrás, Torello descia a ripa numa Ludwig Vistalite alaranjada, com dois bumbos de 24" (ou 22"; as medidas de longe são difíceis de avaliar), dois tons, dois surdos e vários pratos da Zidjian. Concluindo a linha de frente, Paris mandava brasa com um Fender Precision preto de escudo branco - vez por outra ainda sacava uma gaita do bolso. Atrás, alguns Marshall e Ampegs empurravam a banda, clássica até mesmo na hora de escolher com o quê fazer o som.
Coisas que a cabeça de um garoto com 17 anos jamais esquece. A platéia, eclética como um show de blues deve ser, com pretos, brancos, azuis, homens, mulheres e assemelhados boquiabertos. De pau quebrando, deve ter sido mais ou menos 1h30. Mas pareceram horas. Vi outros bluesmen depois: Smokin' Joe Kubeck, Tony Duarte, Son Seals, Clapton (na Praça da Apoteose!, Turnê do disco Journeyman), Albert Collins (e sua Fender Telecaster), Robert Cray, Tinsley Ellis, Dave Hole (que toca com a mão por cima do braço da guitarra)... Enfim, a lista é vasta. Mas esse show é insuperável.
Aliás, Johnny é insuperável.

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