sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Sons para se ouvir no carro IV

Geralmente tenho mais de um CD no carro. Além daquele do remendado Thin Lizzy de que falei anteriormente, trago outro, este do baixista Jack Bruce: "Live in America".
Poderíamos atribuir à edição brasileira a pobreza do material, mas não seria correto. O CD já sai ruim da matriz, um desses bilhões de selos pequenos que editam trabalhos sem se preocupar muito com informações técnicas, qualidade do som e apresentação. Pior de tudo é que conta com a aquiescência do artista, nesse caso demonstrando pouco interesse pela própria obra.
"Live in America" começa mal. Não há qualquer menção ao início do show. Aquele tradicional "Ladies and gentlemen, please welcome...", nem pensar. Já entra com a voz de Bruce cantando e, pelo que se percebe logo de cara, numa fita retirada da mesa de som. Fica nítido quando a banda entra, pela falta de peso, de divisão do estéreo. Parece incrível, mas ainda há quem edite discos assim. É um pirata oficializado.
A banda, ah!, a banda. Tirando Bruce, que canta e toca o baixo, o restante do time é Clem Clempson (guitarra), David Sancious (teclados) e Billy Cobham (bateria). Como se vê, somente craques de bola, com fluência nas linguagens do rock, do jazz e do fusion. Não chega a ser algo inusitado, já que Bruce e Cobham, por exemplo, se cruzaram em discos de John McLaughlin e de Mose Allison.
Mas como se descobre que são esses quatro? Escutando atentamente às apresentações que Bruce faz, no intervalo de cada música. Ouve-se ainda uma segunda guitarra, que é de... Sancious. Não tinha a menor ideia de que ele também brincava nas seis cordas. E se sai muitíssimo bem, em alguns momento rivalizando com Clempson, que é um especialista na matéria. Nada disso está na ficha técnica, que, aliás, inexiste.
(Um parêntese para falar de Clem Clempson. É desse músicos subestimados, mas muito apreciado por quem realmente entende do assunto. Na época do Colosseum, uma banda que era abertamente de fusion, integrava-se a um time composto só de craques - Dick Hackstall-Smith, David Greenslade, Jon Hisemann, Chris Farlowe e Mark Clarke. Quando se juntou ao Humble Pie, muita gente achou que seria somente para substituir o bonitinho [na época] e talentoso Peter Frampton. Clempson, porém, fez mais, apesar da personalidade forte de Steve Marriott. Discos como "Smokin" ou "Thunderbox" merecem ser ouvidos com imenso carinho.
Fico imaginando se Clempson tivesse entrado no Deep Purple, com a saída de Ritchie Blackmore. Jon Lord mesmo disse que o guitarrista não se adaptou à banda, abrindo a chance para Tommy Bolin. Permitiu o pulo do gato de Bolin, que levou seu estilo totalmente diferente de Blackmore e fez um trabalho único. Talvez tenha sido esse o erro de Clempson: tentar calçar as sandálias do antecessor.)
Quem não se incomodar com a má qualidade sonora, vai ouvir boas versões para clássicos do Cream e sucessos da banda, além de números da carreira-solo de Bruce. Tem espaço para tudo, do rock pesado ao reggae, passando pela fusão com  o jazz. Os quatro estão em excelente forma.
O disco foi gravado em algum lugar dos Estados Unidos e se as versões para as canções do Cream ("White room", "Traintime", "Politician") seguem a fórmula original, bem como as demais, há pelo menos uma novidade: "Theme from an imaginary western". Embora seja de Bruce e seu parceiro Pete Brown, fez parte do repertório do Mountain, banda com a qual o baixista mantinha ligação fraternal.
Na capa, um belo baixo Epiphone modelo SG, igual ao Gibson que Bruce usava. Mas isso não a faz bonita. O disco tem o quê de improviso que incomoda e não vale os R$ 20,00 que provavelmente custam por aí. Minha edição ganhei do amigo Guilherme Lobão, um conhecedor de música e cinema, com o qual sempre tive excelentes papos. Não compraria "Live in America" se o encontrasse nas minhas andanças, a menos que estivesse baratíssimo. E pelos motivos que listei.
Mas já que tenho, o melhor é ouvi-lo. E isso não dói nada.

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