quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

E ele chegou para salvar a lavoura...

Faço questão de voltar 22 anos no tempo, quando cobri, para O Globo, a eleição de Ricardo Teixeira na presidência da CBF.
Em 1989, o cartola ainda era genro de João Havelange, o que lhe garantiu o apoio de quase todas as federações de futebol, presidida por uma gente que, até pelo aspecto físico, carecia de caráter e moral. No dia da votação, vi um entra e sai na antiga sede da Confederação, na Rua da Alfândega, Centro do Rio, de figuras ridículas, com cabelos e bigodes pintados de preto, tentando aparentar a juventude que a calva e as rugas lhes roubavam. Personagens lamentáveis, vestidas com gravatas berrantes sobre paletós descombinando, com a calças ou fatos (terno, lembro, é o que tem colete) de qualidade duvidosa.
Era essa gente que controlava (e ainda controla, só que hoje tem mais verniz) o futebol brasileiro. Pela descrição de cada um se pode calcular o que eram suas gestões.
Teixeira era, acima de tudo, apoiado pela imprensa. Não havia um único jornal, jornalista ou colunista que não o visse como uma figura arejada, conectada com o mundo que então se vivia. Sobretudo, achavam que ele era um personagem sem mácula, vindo da inicativa privada e, portando, em condições de dar ao futebol brasileiro a modernidade compatível com os tempos pós-Nova República. Essa mesma que legou José Sarney aos brasileiros, mesmo que por acaso.
Seus antecessores eram Octávio Pinto Guimarães e Nabi Abi Chedid. Octávio estivera por mais de uma década à frente da Federação de Futebol do Rio. Nabi vinha do Bragantino, que pouco tempo antes surgira no futebol paulista como modelo de um time bem montado e de administração ágil. O técnico era ninguém menos que Vanderlei Luxemburgo, então visto como esperança de novos dias em matéria de táticas e escalações. Mas, em 1989, ele não passava de um ex-lateral esquerdo do Flamengo, medíocre por sinal.
Octávio tinha contra si o amparo que dera ao almirante Heleno Nunes, aquele do "Onde a Arena vai mal, mais um no Nacional" - referindo-se ao desempenho do partido da ditadura e à utilização do futebol como pé-de-cabra político. Nabi tinha estreita relação com o notório Paulo Maluf, um dos delfins do regime dos generais que terminara, mas não estava esquecido.
Na presidência da CBF provaram-se inábeis e trapalhões. Octávio, magro e baixo, fumava desbragadamente com uma piteira, que lhe conferia um ar falsamente aristocrático e germânico, tal como sua Nova Friburgo. Tinha voz baixa, grossa, anasalada e um olhar estranhamente malévolo. Nabi era o contrário: grandalhão, gordão, falava cuspindo por trás das lentes grossas do óculos de aro quadrado. Era o esparro preferido do então presidente do Flamengo, o esperto Márcio Braga, que com a verve carioca de quem nasceu e foi criado na Zona Sul do Rio, porém jamais trabalhou, conseguia tirar-lhe a paciência com facilidade. Nas resenhas esportivas da TV, era de morrer de rir ver Nabi se esbaforindo, querendo bater em Márcio, apesar de não estarem no mesmo estúdio.
Pesou contra essa dupla o fracasso brasileiro na Copa de 1986, no México. Para variar, a CBF foi acusada de desorganização na elaboração dos trabalhos preparatórios. Preferiram atacar os dois cartolas e deixar passar batida as turrices de Telê Santana, que escalou um time pífio para a disputa do Mundial. Ninguém queria se indispor com o técnico, que quatro anos antes naufragara no Sarriá ao não saber mandar sua equipe segurar o resultado contra a Itália. Mas essa é outra história.
Para piorar a situação de Octávio-Nabi, os principais times brasileiros se fecharam numa entidade que propunha moralizar o futebol e dar-lhe a organização que a CBF parecia incapaz de montar: o Clube dos Treze. Ameaçaram romper com a entidade e montar um campeonato brasileiro paralelo. Seu presidente, Carlos Miguel Aidar, então comandante do São Paulo, tinha até o apoio da Globo para a transmissão dos jogos. A CBF já era descartável.
Para segurá-los e acalmá-los, a Confederação montou o famoso campeonato com o Módulo Verde e o Módulo Amarelo. No Verde, só o Clube dos Treze, acrescentado de três convidados; no Amarelo, o restante da antiga primeira divisão - tinha ainda o Azul e o Branco, equivalentes à terceira e quarta divisões. O Flamengo ganhou o Verde e, claro, se recusou a enfrentar o Sport Recife, vencedor do Amarelo, justamente porque não faria sentido algum ter disputado um torneio em tese mais difícil. O restante dessa história também já se sabe.
Contra toda essa bagunça, Teixeira vinha como salvação da lavoura. Turbinado por Havelange, o sogrão ainda presidente da Fifa, chegava com a incumbência maior de fazer um campeonato brasileiro mais racional (leia-se: com até 20 clubes) e conciliar o nosso calendário de eventos ao europeu, já que naquela época o êxodo de jogadores era intenso e vergonhoso. Além disso, foi-lhe atribuída a missão de montar uma seleção brasileira permanente, com comissão técnica montada e à disposição para correr o Brasil e o exterior vendo os melhores jogos e capinando os melhores jogadores.
Parte disso ele cumpriu, mas não demorou muito para cair na vala comum da politicagem que, pensava-se, era página virada. Afinal, ninguém se mantém no mesmo lugar por mais de duas décadas se não fizer acordos e não for generoso.
Mas isso eu conto no post seguinte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário