terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A Grécia morre lentamente

Não sei se foi o ex-ministro Delfim Netto que cunhou a frase ou se ela existe desde que, com a dissecação de cadáveres por pura curiosidade, o homem chegou à Medicina: "A diferença entre o remédio e o veneno é a dose". Tal como acontece com a Grécia atualmente, que, ao seguir a receita proposta pelo FMI, certamente entrará numa derrocada que vai estancar o quase insignificante progresso do país e torná-la num território em que sociedade e governo se dissociaram. Nesse vácuo, surgem os radicalismos, a xenofobia, as culpas que um atribui ao outro. Numa única palavra: caos.
Os gregos têm pouco a oferecer ao mundo hoje, além do passado glorioso: turismo, produtos beneficiados oriundos da agropecuária (vinhos, azeite, azeitona, queijos), artesanato... Tudo de baixíssimo valor agregado. Não têm uma indústria de base, importam quase tudo que consomem de bens materiais e cada vez mais são um entreposto chinês naquele pedaço da Europa que fica perto do Oriente Médio, da Rússia e das ex-repúblicas soviéticas.
Assim como Portugal, a Grécia é o caso típico do primo pobre que é convidado a cear na casa dos parentes ricos, mas que, antes, deve se adaptar à liturgia do salão que passará a frequentar. Roupas e acessórios caros, melhoria na aparência, um bom carro para impressionar na hora da chegada. Isso para o abonado pode ser pouco, mas para o remediado é uma despesa incomensurável. Exatamente isso aconteceu com o país ao adentrar à zona do euro: foi obrigado a elevar seus gastos para arcar com o novo status.
Daí que, antes, uma dívida interna que era calculada numa moeda desvalorizada, foi convertida para outra cujo valor se baseia numa cesta na qual pesam mais a herança do marco alemão e do franco francês. Bonito a curto prazo, mas catastrófico a longo. Portugal está pagando o mesmo preço: país desindustrializado, exportador de produtos de baixo valor agregado etc. etc. A Espanha e a Itália, que têm muito mais a oferecer, se encontram em condição parecida porque suas respectivas moedas lhes propiciava uma dívida interna administrável.
O euro trouxe euforia. De repente, todos tornaram-se ricos. Artificialmente, registre-se. A Turquia, que durante muito tem foi vista como uma espécie de parente indesejável pelos integrantes mais fortes da União Europeia - pelo imenso "pecado" de ser um país muçulmano -, hoje levanta as mãos para Alá por não ter sido admitida. Outras nações, como Romênia, Hungria e República Tcheca, que têm prazo de adesão até 2015, já estão revendo a hipótese de abrirem mão das moedas nacionais.
A receita imposta à Grécia vai terminar por matá-la. O pacote aprovado pelo Parlamento é draconiano: emperra um país cujas taxas de crescimento são ínfimas; indica demissões em massa no serviço público como forma de desinchar a máquina estatal. Em troca, o país recebe 130 bilhões de euros para pagar suas dívidas. A equação é complexa, pois paga o débito (e reebolsa os finaciadores do empréstimo a longuíssimo prazo, com juros escorchantes), mas herda uma multidão de desempregados num país em que o Estado é o principal patrão exatamente porque a iniciativa privada é fraca. Num cenário de recessão generalizada, os gregos não conseguirão atrair indústrias capazes de gerar-lhes receita por meio da cobrança de impostos.
Os únicos que têm condições de investimento, os chineses, jogam pesado somente onde existem grandes obras de infraestrutura a serem feitas, em países de imensos recursos minerais - tais como os da África. O que a Grécia tem a oferecer nesse campo? Nada. Ou vocês acham que se tivesse um solo rico e imensa capacidade de abrigar uma indústria de base, já não teria sido descoberta?

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