terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Então isso é jornalismo?

"Nada do que a senhora disse vai mudar minha opinião. Tenho opinião formada". Foi isso (ou algo semelhante) quer o repórter Beto Júnior, da novela Fina Estampa, disse à Ester Volkoff ao final da exclusiva que obteve dela, no rumoroso caso sobre quem tem direito a alegar a maternidade da pequena Vitória.
Não, não estou debochando quando uso o adjetivo "rumoroso" para uma situação de novela. Tampouco estou tratando o episódio como brincadeira.
Conhecendo a Globo como conheço, uma falsa polêmica vai surgir nos programas da emissora: que direito tem a mãe que doa óvulos e fica sabendo do nascimento da criança gerada do seu embrião, num ventre que não é o seu? 
Ressalve-se, porém: a questão é atiçada por um jornalista que "já tem opinião formada".
Desde que comecei a trabalhar em redações que ouço o quanto Agnaldo Silva, autor da novela, foi bom repórter. Ainda que não sejamos da mesma geração, ele descende diretamente da época do lide, sub-lide, corpo e pé, como as matérias são estruturadas desde que Prudente de Moraes Neto introduziu a regra americana no "Diário Carioca", então de Horácio de Carvalho, nos anbos 50. Ouvi inúmeras vezes de Helio Fernandes, jornalista anterior a essa época, que Prudente, então chefe de Redação e seu colega, trouxe a novidade depois de temporada nos Estados Unidos.
No momento em que o lide é introduzido na formulação das reportagens, sua adoção é estribada noutra regra de ouro: o repórter deve registrar TODAS as versões do fato. Assim, o jornalista se distanciou.
É a ideia: a de que seja um narrador privilegiado, mas isento, dos fatos. Mais nada. A interpretação cabe ao leitor. Num diário, há setores específicos abertos à compreensão particular dos episódios: o editorial, o artigo, a coluna, o comentário do leitor. Todos refletem visões pessoais, das quais se discorda ou se concorda à vontade.
Ao repórter, porém, tal privilégio não é possível.
Estarrece que Agnaldo e seus colaboradores na novela apresentem um personagem com "opinião formada" e pronto para expressá-la nas páginas do veículo no qual trabalha. Nem o mais especial dos repórteres faz isso. Quem escamoteia o entendimento jamais fica conhecido pela correção profissional.
Sim, repórter pode ter opiniões, teses, teorias. Não é proibido tê-las, desde que confirmadas pelos fatos. Especular é do jogo, é legítimo. Mas se as fontes não confirmam, não é reportagem: é crônica, é artigo.
A novela transmite a perigosa imagem de que a imprensa é desleal e que jornalismo é, por definição, escandaloso. E fantasioso. O ex-presidente Lula não se cansava de atacar os veículos quando denunciavam os absurdos e malfeitos do governo. Primeiro, argumentava falaciosamente que os jornais representavam uma elite econômica que queria tirá-lo do poder. Depois, surrava o jargão de que somente desgraça é notícia. Sinistramente e por dedicados asseclas, tentou emplacar um mecanismo de controle da opinião, instrumento absolutamente claro de censura e amordaçamento.
Mau jornalismo não é jornalismo. Há achacadores, vendedores de espaço, aríetes movidos a soldo para atacar ou proteger. Mas basta ver a posição que desfrutam no universo da imprensa. São insignificantes, têm importância desprezível. Ninguém os leva a sério.
Minha defesa é do Jornalismo com J maiúsculo; da informação, do esclarecimento, da utilidade pública. O restante é secos e molhados, como sugeriu Millôr Fernandes.
Choca que Agnaldo insinue ressentimento com a imprensa com um personagem tolo. O mecanismo insidioso: se um ex-repórter faz um ataque tão contundente, no folhetim de uma casa dona de poderosos veículos de jornalismo, algo há de estranho. Quem assiste à novela conectará o trabalho jornalístico à invasão, ao desprezo pelos ângulos da história. Afinal, todo repórter vai para a cobertura com uma "opinião formada", disposto a apresentá-la como fato.
Jamais, em tempo algum, propus aqui censura ou limites ao trabalho de Agnaldo. Mas me aborrece ver a imagem passada pela novela - que tanto diverte quanto educa e informa; não fosse assim, jamais seria um eficiente veículo de merchandising - daquilo que supostamente seria jornalismo: uma atividade vil, exercida por arrivistas que desprezam a verdade e não se comportam como observadores isentos dos fatos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário