quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Os desprezos de Dilma

A presidente não esconde alguns desprezos. Um é pela classe política masculina, outro são os militares. Acreditando que realmente Dilma é uma tecnocrata e defensora da meritocracia, talvez formasse um ministério somente de técnicos, preferencialmente mulheres, se pudesse. No caso das Forças Armadas, no conceito de quem passou o diabo numa cela da ditadura, o melhor seria extingui-las.
Isso explica algumas dificuldades de relacionamento da presidente. Ela enxerga nos políticos homens toda a sordidez de uma sociedade machista e conservadora, que fez o País caminhar nas piores direções. Foram eles que, numa observação psicológica enviezada (mas explicada pelas circunstâncias), empurraram o Brasil para a ditadura. Associaram-se ao reacionarismo militar em nome da manutenção de privilégios, de grupos de influência.
Nem mesmo os ex-companheiros de luta armada são vistos por Dilma sem desdém. Pior ainda ela enxerga aqueles que se bandearam para partidos de centro-direita, tal como o PSDB é considerado.
No caso dos petistas, alguns representam, para a presidente, oportunismo próprio de quem foi caroneado ao poder. Não têm convicções: da mesma forma que antigos tucanos, democratas e peemedebistas, vários dos seus colegas de partido pegaram o bonde da oposição apostando numa vitória que custou, mas veio. Enquanto Lula não abriu a porteira para que assaltassem o governo e seus braços, escoraram-se em sindicatos cuja bandeira primeira era fazer oposição e, numa etapa seguinte, promover mudanças para as categorias às quais representam.
Esses ela ainda tolera. Trata-se de benevolência, conforma a própria Dilma faz questão de deixar cada vez mais evidente.
Os militares, porém, são um trago difícil de engolir.
A presidente é muito transparente nas suas impressões. Ao decidir entre a honenagem aos militares mortos no incêndio na estação brasileira na Antártida e a entrega de casas na periferia de Recife, erguidas com recursos do PAC, Dilma nem pensou duas vezes. Ninguém espere cena semelhante àquela do filme A Dama de Ferro, na qual Margaret Thatcher/Maryl Streep assina cartas de condolências aos militares mortos por um ataque argentino, no começo da guerra das Malvinas. Com os homens fardados, o tratamento será no limite do protolocar, beirando o desrespeitoso.
Dilma também foi apagar um incêndio eleitoral em Pernambuco, onde PT e PSB se digladiam pela Prefeitura de Recife. Tanto que João da Costa (PT), prefeito da capital e que busca apoio para a reeleição, e o governador Eduardo Campos (PSB) estiveram juntos na entrega das casas populares. A presidente tem repetido que não vai interferir nas disputas de outubro, mas isso será impossível.
Outros assuntos na agenda estarão sempre acima de qualquer compromisso com os militares. Para o Rio, para a homenagem, despachou o vice Michel Temer e o ministro da Defesa, Celso Amorim, que não se sabe se por mau gosto ou falta de senso compareceu com um fato claro, pouco adequado a uma cerimônia fúnebre. Para uma classe que já anda irritada com a presidente, esse tratamento apenas piora as coisas.
Dilma não se importa em travar queda de braço com os militares. Até gosta desse confronto. É uma forma de devolver o sofrimento de décadas atrás. Por isso deixou que as ministras Eleonora Menigucci e Maria do Rosário os fustigassem, a primeira no discurso de posse, a outra numa entrevista. Quando os clubes militares se manifestaram, enquadrou-os mandando que retirassem a nota de protesto dos respectivos sites. 
A reserva voltou a se pronunciar em nova nota, curiosamente parafraseando no título uma expressão de La Pasionária, militante comunista e uma das líderes da luta contra o franquismo. Os clubes são associações civis, embora seus membros estejam subordinados à ativa.
Dessa vez, os signatários são 98 oficiais que decidiram confrontar a presidente mostrando quem têm nome, sobrenome e patente. A carta dificilmente será retirada do ar e, se for, virá uma terceira, uma quarta, uma quinta e quantas respostas forem necessárias se aos militares for cassada a expressão. 
Dilma não os considera insubordinados, tamanho é o desprezo que devota a eles. Acha-os impertinentes, provocativos, e vai buscar uma maneira de fazê-los de pagar pela afronta. Usará o poder de ser a comandante das Forças Armadas para emasculá-los.
A diferença é que, agora, será com sutileza, politicamente, para evitar que o clima de confronto contamine a ativa e a temperatura suba desnecessariamente. E a decisão não passará por Amorim, que tem se mostrado péssimo conselheiro na condução da questão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário