terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Estado da arte ou a arte de olhar a vida

Dias atrás, lendo no blog do meu irmão (V8 and Vintage blog; põe aí no seu marcador), me deparei com a pergunta: por que ninguém quer um relógio de corda? Cheguei a respondê-lo: por puro comodismo e porque as pessoas não estão acostumadas a um objeto "estado da arte".
Antes de entrar nesta definição, vamos ao moto deste artigo: um belíssimo Omega Seamaster, ali do final dos anos 50, com o mesmo calibre do raro Omega Ranchero, o 267. Um Ranchero está cotado em cerca de US$ 4 mil num site americano, algo que dá por aqui dá quase uns R$ 9 mil. Naturalmente que não é um relógio qualquer, como não é o Seamaster que utiliza o mesmo calibre.
Não importa quanto meu irmão pagou por ele - digo apenas que foi uma ninharia em troca daquilo que representa. Está em condições que, se tivesse que julgar, daria nota 7 com viés de alta. O fundo exibe aquela pátina bonita do envelhecimento natural. A pulseira, de couro, é como milhares de outras; representa uma época na qual somente peças especialíssimas tinham pulseiras assinadas. O pecado é a tampa da caixa, adaptada. Mas nada que não se possa arranjar - inclusive, dei a ele a dica de um site australiano que trabalha com tampas de Omega antigas e, entre preço e tarifas, vale a pena trazer.
No post que publicou, dizia-se impressionado com tictac assemelhado à batida de um coração. Até brincou: enquanto outros param, ele continua - e por pelo menos 50 anos.
Mas pergunta, com certa angústia, a razão pela qual as pessoas abandonaram os relógios a corda, ou "manually wound". Não foram somente os tempos modernos, mais corridos, que levaram a isso.
A explicação é histórica. Com o surgimento do relógio automático, nos anos 50, bastava o balanço do corpo para que enchesse a reserva de marcha. Assim, se usado todo dia, estaria permanentemente funcionando; só pararia se ficasse muito tempo fora do pulso. Os automáticos tornaram os de corda obsoletos: poupava o dono de girar a coroa todo dia para fazer a peça trabalhar.
Mas os automáticos também foram ultrapassados. O relógio a quartzo surgiu no final da década de 60 e, nos anos 70, tomou o mercado. Os japoneses processaram essa revolução que, por pouco, não sepultou a relojoaria suíça. Baratos e movidos a microbaterias, inundaram as lojas. Era o tempo ao alcance de todos.
Não pensem, porém, que eram peças de segunda categoria. Acessíveis, sim, mas de bom nível e precisão invejável. Aos suíços restou apenas uma saída: unir-se aos japoneses num campo em que estavam perdendo de goleada.
Melhor assim, pois foi como a indústria relojoeira europeia sobreviveu. Associada a iniciativas pioneiras e visionárias de poucos empresários, renasceu.
E voltou ao passado.
Entra aqui o que chamam em inglês de "state of art": o artesanato em alta tecnologia. Uma Ferrari não é cara somente porque tem esse nome, mas porque sua produção é reduzida, emprega materiais mais nobres e, sobretudo, um exemplar leva muito tempo para ser construído. É feita com calma, por profissionais altamente qualificados, professores em seus ofícios e muito bem pagos. Assim, nada mais justo que o preço ser estratosférico.
Transferindo para a indústria relojoeira, tal conceito pode ser atribuído a alguns automáticos e os de máquina a corda. A pressa aqui é inimiga mortal da perfeição. Montar uma peça leva tempo, requer paciência monástica e é voltada apenas aos amantes da relojoaria.
São aqueles que admiram exemplares quase exclusivos, que resgatam sobretudo a história. Sabem, por exemplo, que um Omega Speedmaster Professional hoje usa o calibre 1861, foi à lua (e nela pousou) com o calibre 861, que descende do Lemania 321. 
Isso pode parecer uma bobagem para muita gente. Talvez realmente seja; seria a "cultura inútil". Mas é, sobretudo, a explicação para o "estado da arte".
Tudo que se encaixa nessa categoria é caro, único, voltado a um público específico. Quem nele se insere não está preocupado com o senso comum da pressa diária e das facilidades tecnológicas. As adota, claro, e em alguns ramos da vida é ate escravo delas. Mas ainda não perdeu a noção da poesia dos objetos. E dispõe de breves espaços de tempo para admirá-los.
Como o tictac do bravo Omega Seamastar, calibre 267, que 50 anos depois trabalha com disposição invejável. Ou o Jaeger LeCoultre modelo Service Hydrographique, da Marinha francesa, guardado com carinho no fundo do armário, contando com quase 70 anos de idade e funcionamento perfeito.
Ou o Speedmaster Professional que não sai do pulso, xodó que nos torna um pouco astronautas.

Um comentário:

  1. Enquanto isso, estamos com o estado da arte, com o que é há de bom e os bobos ficam babando...

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