sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dupla desconfiança

A mão-de-obra causada pela colocação de Celso Amorim requereu um dia de reuniões para que os ânimos fossem acalmados. Não que a Vila Militar fosse “descer”, como costumavam dizer, nos tempos da ditadura, em tom de ameaça, quando a caserna se sentia incomodada. Os tanques agora não rolam mais pela Avenida Brasil, rumo ao Centro do Rio de Janeiro. Não há esse tipo de sublevação, de afronta.
Mas a presidente foi obrigada a chamar os comandantes militares para dizer-lhes que, sem Jobim e com Amorim – a rima é péssima, mas não há como fugir dela –, tudo continua dantes como no quartel de Abrantes. A colocação do ex-chanceler no comando da Defesa foi pessimamente recebida, por acreditarem que o esquerdismo congênito de Amorim passará a nortear as ações da pasta a partir de agora. Mas não só isso: veem com péssimos olhos uma eventual ressurreição do eixo entre ele e Marco Aurélio Garcia, capaz de confrontar com Antônio Patriota a condução da diplomacia brasileira.
Por outro lado, Amorim chegou mais humilde do que de costume. Percebeu quer a reação a seu nome era forte e que, uma única palavra fora do lugar, poderia representar um mau começo. Bem instruído pelo Palácio do Planalto, disse que nada iria mudar e que procuraria prosseguir o trabalho do seu antecessor. Expressões como estas não costumam acalmar ninguém, sobretudo porque, para os militares, o que conta é a ação. Também não se poderia esperar que, logo de cara, o ministro fosse comprar briga.
Amorim, que não é dado a elogios, teceu as maiores loas a Jobim, também como forma de acalmar a situação e criar o menos de aresta possível. Mas mostrará se está ou não do lado dos militares quando da sua atuação pela criação da Comissão da Verdade e a questão sobre a classificação de documentos sigilosos. Embora nem sempre tenha sido um admirador dos Direitos Humanos – deve achar que se trata de um conceito relativo, visto que se ombreou às ditaduras do Oriente Médio, sobretudo a do Irã –, é natural que grupos que tinham saído enfraquecidos no governo passado tentem trazê-lo para seu lado.
O ex-chanceler também chega com a incumbência de apagar o mal-estar causado pela passagem do embaixador José Viegas, diplomata como Amorim. Valdir Pires também não foi um bom ministro da Defesa, um tanto por seus princípios políticos de esquerda, outro tanto pela inabilidade. Somente quando o Ministério esteve sob a égide de políticos cuja trajetória foi erguida em partidos inorgânicos, como José Alencar e Jobim, é que as coisas se acalmaram. Amorim une aquilo que os militares consideram o pior de dois mundos: é diplomata e com tendências de esquerda.
Desconfiança dupla, portanto.

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