segunda-feira, 29 de agosto de 2011

De moralidades e imoralidades

Da coluna de Augusto Nunes, no site da Veja.
O suicídio foi um ato de coragem protagonizado pelo político que errou muito e cometeu pecados graves, mas nunca transigiu com roubalheiras, nunca barganhou nem se acumpliciou com ladrões. Lula fez da corrupção endêmica um estilo de governo e um instrumento de poder. O tiro disparado na manhã de 24 de agosto de 1954 atingiu o coração de um homem honrado. Getúlio matou-se por ter vergonha na cara. Lula morrerá sem saber o que é isso.
Até reconheço que não é preciso ter simpatias por Lula; que o ex-presidente legou à sua pupila uma monumental quadrilha, cuja certeza de que jamais seria descoberta explica as desavergonhadas manobras nos ministérios dos Transportes, da Agricultura e do Turismo. Mas não é possível, em momento algum, fazer defesa de Vargas como se fosse um paladino da moralidade pública.
O caudilho cometeu suicídio porque, com a instalação da República do Galeão, corria ele o risco de parar na cadeira para ser julgado, tal como foi feito com Gregório Fortunato, O Anjo Negro, e Benjamin Vargas, o Beijo. Quem pegar os jornais da época, sobretudo a falecida Tribuna da Imprensa, verá que Carlos Lacerda, o Corvo, sugeria uma saída para o presidente, enredado cada vez mais num escândalo de corrupção não por ação, mas por omissão.
Lacerda sugeria uma saída "à Balmaceda" para o alquebrado presidente. Vale lembrar que Juan Manuel Balmaceda, ex-presidente do Chile, suicidou-se na embaixada argentina, acreditando que seria preso, torturado e fuzilado quando fosse capturado pelos sublevados que se levantaram contra seu governo despótico. Convenhamos que não é tanta coincidência assim com Vargas.
Não foi somente Lacerda que fez carga contra Getúlio. Assis Chateaubriand mantinha uma relação de amor e ódio com o velho caudilho, assim como Roberto Marinho. Talvez Augusto Nunes, cuja pena é sem dúvida brilhante, esteja se deixando levar pelo livro que elaborou sobre as memórias de Samuel Wainer, fundador da Última Hora justamente com o beneplácito de Vargas. Minha razão de viver continua sendo um clássico, que todo jornalista que se preza deveria ler.
Os escândalos não paravam e, de alguma forma, passavam pelo Palácio do Catete. Do escândalo dos Cadillacs ao das filipetas, sem contar a polêmica passagem de Horácio Lafer pelo Ministério da Fazenda. A administração de Ricardo Jafet no Banco do Brasil; as pressões de Etelvino Lins e Café Filho e a corrente nordestina; a atuação de Agenor Barcelos Feio, que subira com Vargas na caminhada rumo ao poder desde Porto Alegre, nas mais variadas negociações do governo; o vezo ditatorial de Lourival Fontes, que do DIP pulara para o poderso Gabinete Civil; o aconselhamento político de Amaral Peixoto e as matreirices do PSD - tudo isso levou o presidente a meter uma bala no peito.
Nenhum dos homens citados acima são exemplo de retidão e trato respeitoso com a coisa pública. Talvez Lula tenha razão, sim, em se comparar com Vargas. E exatamente pelo formato de conexão política que ambos mantinham.

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