quinta-feira, 1 de março de 2012

Cervejinha é para quem não conhece cerveja. E cervejão, só no comercial



Algumas coisas são curiosas. Comecei a me dedicar ao hobby das cervejas depois uma viagem à Suíça e à Alemanha, em 2010. Nessa época, o assunto começava a merecer tímidos sites, mas literatura ainda era escassa. Hoje há uma vastidão de informações, com livros interessantes à disposição que quem queira mergulhar nesse universo riquíssimo, vastíssimo e antiguíssimo.
Antes de prosseguir, uma advertência: a cerveja em questão aqui não é essa água suja vendida nos bares, sem cor, sem sabor, sem caráter. Essa, me perdoem, serve somente para o sujeito encher a cara. Falo de cerveja que se degusta não mais do que uma garrafa, raramente deixa alguém bêbado e, sobretudo, combina com pratos tornando-os ainda mais especiais. Um ritual despojado, gostoso e alegre.
As Paulaner de trigo merecem uma missa
No giro europeu de que falei, foi fundamental minha passagem por Munique, para muitos a terra da cerveja na Alemanha. Provei receitas fabulosamente antigas, como as heel da Augustiner, tomadas no secular restaurante que um dia abrigou um mosteiro, na zona central da cidade.
O que a culinária alemã tem de pobre (reflete, evidentemente, uma cultura pouco miscigenada, além de um solo difícil e endurecido pelo clima de frio intenso), as cervejas têm de ricas. Somente agora o brasileiro começa a conhecer as Paulaner, tradicional marca de Munique, e a dar atenção aos gostos diferentes que existem além das tradicionais Pilsen e Lager de má qualidade, que dominam o mercado popular.
Eu estive na velha abadia
Sobretudo, passamos a aprender a razão das liturgias. Quando tomei uma Franziskaner de trigo, não entendi a razão do longuíssimo copo na qual foi servida. Não era uma tulipa bossa-nova, por assim dizer.
Esse formato, uma atração à parte quando se trata de cerveja de trigo, permite a decantação e a subida em doses generosas de gostos e retrogostos particulares. A espuma espessa, castanha clara,  conserva o buquê.
Dependendo do tipo, percebe-se ao final desde canela até banana. Não que esses ingredientes sejam misturados às milenares receitas, mas o impacto que a papila transmite ao cérebro permite notar sensações inéditas, surpreendentes, raras.
Tomada gelada num sótão em Basileia
No Migros de Basiléia, fiquei completamente maluco. A gama de cervejas era intensa e variada. Iniciante (e continuo sendo um, talvez hoje com um verniz um pouquinho melhor de quem resolveu se aprofundar no assunto), para não ter de dar uma nota maior de euro e receber inúmeras moedas de franco suíço, lembro que mandei o caixa tirar da minha conta uma garrafa da Samuel Adams. Não me perguntem que tipo era, pois a marca dispõe de vários. Tudo em favor de dois litros de água mineral Evian e duas garrafas de Pilzner Urquell.
As Urquell... ah!, as Urquell. Apesar de hoje fazerem parte do império SABMiller, continuam estupendas. Num frio de zero grau e geladas, são particularmente deliciosas.
O contraponto que confirmou a qualidade veio neste Natal: tive a opportunidade de comprar mais uma garrafa, em Niterói, e tomei-a sob um calor extremo. Tem gosto, corpo, coloração. Não posso dizer se estão melhores ou piores, mas como acredito que tem um nome e uma tradição a defender, manteve-se no caminho que sempre percorreu, com os desvios naturais.
Das cervejas suíças, conheço-as pouco e a literatura mal as considera. Lembro que tomei uma local, chamada Unser, porém não seria capaz de registrar de que tipo era. Algo da família das lager/pilsen, que é igualmente vasta. Naquela fria noite, ao lado de colegas de viagem, admito que não tive a condição ideal para uma observação mais profunda. Ressalto, porém, que foi combinada com o prato de caça que me foi servido, conforme sugestão da mâitre. 
Para quem quiser se aventurar e ir aos poucos mergulhando nesse universo, vale à pena comprar o livro 1001 Cervejas para Beber Antes de Morrer. Não é um guia ao qual se deve seguir cegamente, mas impressões de especialistas sobre alguns rótulos que seria bom que fossem experimentados.
Não dá indicações sobre se a cerveja é boa ou ruim, deixando para o provador a tarefa de avaliá-la. Importa que, ao degustá-las, se abram novas possibilidades.
No livro, como de resto na literatura, não são encontradas aquelas dos camarotes dos desfiles das escolas de samba. A ideia é retirar a cerveja do ambiente de vulgaridade, sem para isso dar-lhe vestimenta de empáfia ou exclusividade, como acontece com os vinhos. A cerveja é democrática; permite que se aprofunde sobre ela sem parecer pernóstico.
A cerveja não quer o bebedor sem talento, mas aceita os farsantes que fingem que a entendem. E expulsa quem pretende torná-la exclusiva.

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