quarta-feira, 28 de março de 2012

Estarreçam-se à vontade

Notícia publicada hoje no Estadão. Leiam que volto já já.

Sexo com menor pode não ser estupro - STJ revê jurisprudência em caso de vítimas de 12 anos que já tinham vida sexual anterior; na época, lei falava em ‘violência presumida’

Mariângela Gallucci - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que nem sempre o ato sexual com menores de 14 anos poderá ser considerado estupro. A decisão livrou um homem da acusação de ter estuprado três meninas de 12 anos de idade e deve direcionar outras sentenças. Diante da informação de que as menores se prostituíam, antes de se relacionarem com o acusado, os ministros da 3.ª Seção do STJ concluíram que a presunção de violência no crime de estupro pode ser afastada diante de algumas circunstâncias.
Na época do ocorrido, a legislação estabelecia que se presumia a violência sempre que a garota envolvida na relação sexual fosse menor de 14 anos. Desde 2009, prevê-se que a idade de "consentimento" para atos sexuais continua a ser 14 anos, mas o crime para quem se envolve com alguém abaixo dessa idade passou a ser o de "estupro de vulnerável".
De acordo com dados da Justiça paulista, as supostas vítimas do estupro "já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data". A mãe de uma delas chegou a dizer que a filha faltava às aulas para ficar em uma praça com outras meninas para fazer programas em troca de dinheiro.
"A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado", decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo.
No julgamento no STJ, venceu a tese segundo a qual o juiz não pode ignorar o caso concreto. "O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais", afirmou a relatora do caso, ministra Maria Thereza de Assis Moura. "Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado - a liberdade sexual -, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo", completou a ministra.
Segundo a ministra Maria Thereza, a 5.ª Turma entendia que a presunção era absoluta, ao passo que a 6.ª considerava ser relativa. A polêmica já motivou opiniões diversas dentro até do Supremo Tribunal Federal (STF), que passou a considerar a exigência de constrangimento mediante ameaça (veja ao lado).
Diante da alteração significativa de composição da Seção, era necessário agora ao STJ rever a jurisprudência. Por maioria, a Seção entendeu por fixar a relatividade da presunção de violência.

Não tenho o menor receio em dizer: foi uma das decisões mais estúpidas da Justiça brasileira. A relatora do caso simplesmente abriu a porteira para que qualquer menina com menos de 14 que tenha sofrido abusos sexuais seja acusada de se prostituir ou de ter uma vida pregressa na prostituição. Em vários casos, será facílimo tornar a vítima em elemento facilitador. Sobretudo se a jovem vier de um ambiente de vulnerabilidade, no qual os conceitos sobre sexualidade são tão elásticos quanto a moral de quem nele vive.
Decisão do STJ ameça descriminalizar o abuso sexual
Impressiona também que a juíza considere que não foi violado "o bem jurídico tutelado - a liberdade sexual". Tudo o que essas três garotas acusadas de serem estrupradas não têm é justamente liberdade sexual. Liberdade, por si só, pressupõe direito de escolha. A violência começa no fato de que não começaram a se prostituir por preferência, desejo ou vontade. Com 12 anos, mal entradas na puberdade, foram levadas a tal. E por alguém interessado em explorá-las.
Pelo relatório da juíza, uma menina de 12 anos (ou menos, visto que se "já se prostituíam"; devem ter começado na vida com 11, 10 anos) pode ter absoluta consciência da sexualidade. É suficientemente educada e instruída para tal, para ter uma vida ativa no ato mais animal das relações humanas.
Também pelo relatório da juíza, um homem adulto que procura pré-adolescentes para se satisfazer sexualmente é um cidadão normal, sem desvio de conduta ou lapso moral. Tem a mesma qualificação de um homem que mantém relações com mulheres (ou homens, aqui o gênero pouco importa) adultas, emancipadas, informadas e com pleno direito de dispor do próprio corpo da forma que mais lhe convier.
Posso estar parecendo conservador, reacionário. Não me importo. Um dos maiores bens que uma pessoa pode ter é a informação e a plenitude do discernimento para, a partir daí, fazer o que quiser. Que me desculpem os doutos, mas tudo que um pré-adolescente não tem é conhecimento e informação sobre sexo. Como, de resto, não tem conhecimento nem informação sobre coisa alguma. Ainda está na formação, na construção da personalidade, do caráter. Isso, qualquer pesquisa ou livro sobre sexualidade na adolescência é capaz de dizer.
Não é por acaso que se recomenda a participação e a maior troca possível de contato entre pais e filhos, para que o início da vida sexual não seja desastrosa. O começo dessa nova fase é determinante para o futuro da pessoa.
No momento em que há um imenso esforço da sociedade para se coibir a prostituição, independentemente da idade, além da pedofilia, a decisão da juíza e do STJ segue no caminho inverso. Estarrece pela insensibilidade, pela frieza técnica, pela interpretação na qual, aparentemente, se desconsiderou o que pensavam as três "meninas prostitutas". Absolve-se um sujeito porque elas tinham vida sexual, mas em momento algum se pergunta como e por que começaram a vida sexual.
Pior: fica implícito que são três ninfas que jorram sensualidade, que transbordam de desejo. E que o pobre homem foi tragado pela armadilha do sexo. 

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