Gosto de debater
com Reynaldo Azevedo, embora ele não saiba disso. Acho que a gente deve discutir
sempre para cima, jamais para baixo. Já disse aqui que a força de argumentação
de Reynaldo é avassaladora. Leiam o post dele que volto depois:
A revisão da Lei da Anistia e os
extremistas do sucrilho e do Toddynho. Ou: Comissão da Vingança ignora a
construção da democracia. Ou: Um recado àqueles...
Um idiota truculento tentou ferrar a minha vida quando eu
tinha 15 anos. Eu era, sim, ligado a um grupo de esquerda. Mas fui, vamos
dizer, “descoberto” por causa de um concurso de redação, que venci — presente:
uma Enciclopédia Barsa! Os mais jovens não têm noção do que é isso em tempos
pré-Google (e ponham “pré” nisso…). O tema era o Dia da Árvore e a preservação
da natureza. Fiz lá um texto alegórico — eu o tenho ainda, mas fica para as
memórias, hehe… —, que era, na verdade, uma espécie de manifesto contra a
ditadura; a árvore e a natureza viraram meros pretextos. Na comissão julgadora,
havia um professor ligado o Dops. E a coisa engrossou. Eu era o pivô da
perseguição, mas ele mirava mesmo era o colégio estadual em que eu estudava,
onde julgava haver um núcleo subversivo. De fato, havia militantes de esquerda
entre os professores — mas não me engajei por intermédio deles, não. Estamos
falando do ano de 1976. A
dita ainda era muito dura.
Não tenho razões pessoais — muito pelo contrário — para ter
simpatias pelo “regime”, pela “ditadura” ou para “defender torturadores”, como
querem alguns cretinos que não lutaram contra porcaria nenhuma. Não lutam nem
contra a própria ignorância histórica. São radicais do sucrilho e do toddynho,
como os chamo, influenciados pela “petização” da educação. O PT é uma
derivação, vamos dizer, teratológica da própria esquerda. Esta chegou a reunir,
sim, intelectuais de peso. Ainda que pudessem estar essencialmente enganados
sobre muita coisa e cultivassem uma ética torta, tinham ao menos informação. O
petismo educacional é o elogio da ignorância. Os alunos são estimulados a ficar
do “lado certo da história”, não a estudar. Já me defrontei aqui e ali com
esses tipos num debate ou outro. Ignoram os textos básicos do pensamento de que
se dizem procuradores. É uma lástima!
O sinistro Curió e corpos no Araguaia. Barbaridades em profusão |
Já lembrei aqui: a honestidade intelectual doeu, por exemplo,
mais no ex-ministro do Supremo Eros Grau do que em mim. Ele foi preso e
torturado. Eu não fui — embora eu sinta ainda hoje um profundo ódio daqueles
canalhas que não viram mal nenhum em perseguir um garoto. Mesmo assim, Grau fez
uma candente defesa do alcance da Lei da Anistia, demonstrando — ao lado de
outros ministros, como Gilmar Mendes e Celso de Mello, por exemplo — que
ignorá-la significaria fraudar os fundamentos do estado democrático e de
direito.
Assim, não me venham alguns tontos e tontas, que não têm a
menor noção do que significa, de fato, combater um regime autoritário tirar o
traseiro do sofá para apontar o dedo acusatório. Trata-se de uma combinação
asquerosa de covardias. É covarde porque miram em inimigos que não podem reagir
— pudessem, é provável que os valentes de agora estivessem em silêncio. É
covarde porque é a democracia que não construíram que lhe faculta tal prática.
E essa democracia que não construíram só existe porque pactos políticos,
tornados história, foram feitos e incorporados ao processo de pacificação do
país.
Eu não perdoei aquele idiota que me perseguiu e me pôs sob um
sério risco. Faço as contas aqui. Talvez esteja morto. Se não estiver, uma
saudação pra ele: “Vá à merda!” Mas o processo político o anistiou — sei lá que
outras barbaridades ele aprontou. Como anistiou os que comandavam grupos que
assaltavam bancos ou executavam pessoas em nome da “causa”.
Esses que agora se querem defensores da “Comissão da Verdade”
e meia-dúzia de procuradores que têm a ousadia de desrespeitar a lei, ademais,
se querem os donos da história; acham que podem privatizar o passado do país
para definir “a” verdade. Que boa parte desses radicais estouvados não tenha
vivido aqueles dias, isso é evidente — e a juventude, observo com humor, é
um mal que invejo, mas que tem cura e é perdoável. Que apostem, no entanto, na
depredação do estado de direito, ah, isso é imperdoável!
Por
Reinaldo Azevedo
Assim como ele, não fui preso, não tomei tapa na cara, não
fui torturado, não passei o diabo nas mãos de vagabundo algum que se dizia
agente do regime. Aliás, não sei o que faria se isso tivesse acontecido. Talvez
tivessem me matado. Tenho tanto horror à violência gratuita, à covardia, à
autoridade imposta que era possível que devolvesse a agressão (ou tentasse). Nem
que fosse em forma de cusparada.
Tenho a mais absoluta certeza de que esse episódio
envolvendo o Sebastião Curió termina no Supremo. E que lá ele ganha. Os
ministros já deixaram claro que a Lei da Anistia é imutável, “imexível”, intocável.
Discordo de Reynaldo quando ele diz que o Ministério Público
abraçou uma tese de governo. A gente sabe que a Procuradoria Geral da União tem
deixado a desejar em matéria de independência,
mas acreditar que seja sempre uma correia de transmissão das teorias políticas
da Dilma e de alguns ministros penso ser um exagero.
Um procurador encontrou uma brecha na lei. Foi instado a
encontrar uma? Pode ser. (Por que não acharam antes? Esteve sempre ali, já que
nada mudou no texto. Faltou, claro, vontade política, como se diz vulgarmente.)
Da mesma maneira que aquele general entrevistado pela Miriam Leitão disse que a
presidente “pode” ter sido torturada.
O que pode de um lado, pode do outro. Era de se imaginar que
o governo eventualmente descesse do seu pedestal para um gesto pouco
republicano no tratamento de algumas questões. Tais coisas, porém, não têm digitais.
O procurador achou uma brecha e vai levar a questão para o STF decidir. É uma
manobra perigosa. Se o Supremo decidir pela inconstitucionalidade da ação,
sepulta-se um caminho que deu esperanças a muita gente de ver punido um notório
agente da truculência fardada.
Se não... Aí é que são elas. A porteira estará aberta para
que todos os anistiados que atuaram ao lado dos ditadores sejam alcançados. A
Lei da Anistia estará ferida de morte. O governo terá promovido uma ação de
insegurança jurídica sem precedentes na história deste país.
O melhor nisso tudo é que o Curió, o homem de Serra Pelada, de
Curionópolis, que certa vez ganhou páginas e mais páginas n’O Cruzeiro de Alexandre Von Baumgarten
(aquele que sumiu no cais da Praça 15, no Rio, numa suposta ação de seqüestro e
morte comandada pelo general Newton Cruz, segundo Cláudio Werner Polila, o Jiló)
vai ser obrigado a sair do merecido ostracismo. Vai ter de dar novamente as
caras. Vai ter de gastar dinheiro com advogado. Vai ter de sair da zona de
conforto.
Atazanar um sujeito desses é sempre bom, mesmo que se crie a
falsa expectativa de vê-lo punido.
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