quinta-feira, 15 de março de 2012

Curió em teto de zinco quente



Gosto de debater com Reynaldo Azevedo, embora ele não saiba disso. Acho que a gente deve discutir sempre para cima, jamais para baixo. Já disse aqui que a força de argumentação de Reynaldo é avassaladora. Leiam o post dele que volto depois:

A revisão da Lei da Anistia e os extremistas do sucrilho e do Toddynho. Ou: Comissão da Vingança ignora a construção da democracia. Ou: Um recado àqueles...

Um idiota truculento tentou ferrar a minha vida quando eu tinha 15 anos. Eu era, sim, ligado a um grupo de esquerda. Mas fui, vamos dizer, “descoberto” por causa de um concurso de redação, que venci — presente: uma Enciclopédia Barsa! Os mais jovens não têm noção do que é isso em tempos pré-Google (e ponham “pré” nisso…). O tema era o Dia da Árvore e a preservação da natureza. Fiz lá um texto alegórico — eu o tenho ainda, mas fica para as memórias, hehe… —, que era, na verdade, uma espécie de manifesto contra a ditadura; a árvore e a natureza viraram meros pretextos. Na comissão julgadora, havia um professor ligado o Dops. E a coisa engrossou. Eu era o pivô da perseguição, mas ele mirava mesmo era o colégio estadual em que eu estudava, onde julgava haver um núcleo subversivo. De fato, havia militantes de esquerda entre os professores — mas não me engajei por intermédio deles, não. Estamos falando do ano de 1976. A dita ainda era muito dura.
Não tenho razões pessoais — muito pelo contrário — para ter simpatias pelo “regime”, pela “ditadura” ou para “defender torturadores”, como querem alguns cretinos que não lutaram contra porcaria nenhuma. Não lutam nem contra a própria ignorância histórica. São radicais do sucrilho e do toddynho, como os chamo, influenciados pela “petização” da educação. O PT é uma derivação, vamos dizer, teratológica da própria esquerda. Esta chegou a reunir, sim, intelectuais de peso. Ainda que pudessem estar essencialmente enganados sobre muita coisa e cultivassem uma ética torta, tinham ao menos informação. O petismo educacional é o elogio da ignorância. Os alunos são estimulados a ficar do “lado certo da história”, não a estudar. Já me defrontei aqui e ali com esses tipos num debate ou outro. Ignoram os textos básicos do pensamento de que se dizem procuradores. É uma lástima!
O sinistro Curió e corpos no Araguaia. Barbaridades em profusão
Também não passei a admirar os meus algozes, não. Tampouco mudei de lado! Se quiserem, mudei, sim, de perspectiva, e já faz tempo!, e escolhi a democracia — e isso é inegociável. Querem saber onde estão as 136 pessoas desaparecidas, prováveis vítimas da repressão? Eu apoio a iniciativa. É preciso uma Comissão da Verdade pra isso? É evidente que não! Rejeito que se use uma reconstituição parcial da história para, a um só tempo, mentir sobre o passado e reforçar posições de determinadas correntes ideológicas no presente. E rejeito justamente porque tal prática não cabe na democracia — aquela que abracei.
Já lembrei aqui: a honestidade intelectual doeu, por exemplo, mais no ex-ministro do Supremo Eros Grau do que em mim. Ele foi preso e torturado. Eu não fui — embora eu sinta ainda hoje um profundo ódio daqueles canalhas que não viram mal nenhum em perseguir um garoto. Mesmo assim, Grau fez uma candente defesa do alcance da Lei da Anistia, demonstrando — ao lado de outros ministros, como Gilmar Mendes e Celso de Mello, por exemplo — que ignorá-la significaria fraudar os fundamentos do estado democrático e de direito.
Assim, não me venham alguns tontos e tontas, que não têm a menor noção do que significa, de fato, combater um regime autoritário tirar o traseiro do sofá para apontar o dedo acusatório. Trata-se de uma combinação asquerosa de covardias. É covarde porque miram em inimigos que não podem reagir — pudessem, é provável que os valentes de agora  estivessem em silêncio. É covarde porque é a democracia que não construíram que lhe faculta tal prática. E essa democracia que não construíram só existe porque pactos políticos, tornados história, foram feitos e incorporados ao processo de pacificação do país.
Eu não perdoei aquele idiota que me perseguiu e me pôs sob um sério risco. Faço as contas aqui. Talvez esteja morto. Se não estiver, uma saudação pra ele: “Vá à merda!” Mas o processo político o anistiou — sei lá que outras barbaridades ele aprontou. Como anistiou os que comandavam grupos que assaltavam bancos ou executavam pessoas em nome da “causa”.
Esses que agora se querem defensores da “Comissão da Verdade” e meia-dúzia de procuradores que têm a ousadia de desrespeitar a lei, ademais, se querem os donos da história; acham que podem privatizar o passado do país para definir “a” verdade. Que boa parte desses radicais estouvados não tenha vivido aqueles dias, isso é evidente — e a juventude, observo com humor, é um mal que invejo, mas que tem cura e é perdoável. Que apostem, no entanto, na depredação do estado de direito, ah, isso é imperdoável!

Por Reinaldo Azevedo


Assim como ele, não fui preso, não tomei tapa na cara, não fui torturado, não passei o diabo nas mãos de vagabundo algum que se dizia agente do regime. Aliás, não sei o que faria se isso tivesse acontecido. Talvez tivessem me matado. Tenho tanto horror à violência gratuita, à covardia, à autoridade imposta que era possível que devolvesse a agressão (ou tentasse). Nem que fosse em forma de cusparada.
Tenho a mais absoluta certeza de que esse episódio envolvendo o Sebastião Curió termina no Supremo. E que lá ele ganha. Os ministros já deixaram claro que a Lei da Anistia é imutável, “imexível”, intocável.
Discordo de Reynaldo quando ele diz que o Ministério Público abraçou uma tese de governo. A gente sabe que a Procuradoria Geral da União tem deixado a desejar em matéria de independência, mas acreditar que seja sempre uma correia de transmissão das teorias políticas da Dilma e de alguns ministros penso ser um exagero.
Um procurador encontrou uma brecha na lei. Foi instado a encontrar uma? Pode ser. (Por que não acharam antes? Esteve sempre ali, já que nada mudou no texto. Faltou, claro, vontade política, como se diz vulgarmente.) Da mesma maneira que aquele general entrevistado pela Miriam Leitão disse que a presidente “pode” ter sido torturada.
O que pode de um lado, pode do outro. Era de se imaginar que o governo eventualmente descesse do seu pedestal para um gesto pouco republicano no tratamento de algumas questões. Tais coisas, porém, não têm digitais.
O procurador achou uma brecha e vai levar a questão para o STF decidir. É uma manobra perigosa. Se o Supremo decidir pela inconstitucionalidade da ação, sepulta-se um caminho que deu esperanças a muita gente de ver punido um notório agente da truculência fardada.
Se não... Aí é que são elas. A porteira estará aberta para que todos os anistiados que atuaram ao lado dos ditadores sejam alcançados. A Lei da Anistia estará ferida de morte. O governo terá promovido uma ação de insegurança jurídica sem precedentes na história deste país.
O melhor nisso tudo é que o Curió, o homem de Serra Pelada, de Curionópolis, que certa vez ganhou páginas e mais páginas n’O Cruzeiro de Alexandre Von Baumgarten (aquele que sumiu no cais da Praça 15, no Rio, numa suposta ação de seqüestro e morte comandada pelo general Newton Cruz, segundo Cláudio Werner Polila, o Jiló) vai ser obrigado a sair do merecido ostracismo. Vai ter de dar novamente as caras. Vai ter de gastar dinheiro com advogado. Vai ter de sair da zona de conforto.
Atazanar um sujeito desses é sempre bom, mesmo que se crie a falsa expectativa de vê-lo punido.  

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