quinta-feira, 15 de março de 2012

Impressionante: enxergaram o óbvio ululante

Admito que algumas coisas ainda me estarrecem. Esta semana, um editorial do Globo considerava que o governo estava fazendo a mais reles bravata ao colocar o tacape na mesa no episódio que envolveu a crítica do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke. Mas vejam a matéria no site do Estadão (em vermelho). Volto em seguida:

Valcke foi racista com Brasil, acusa membro do COI

O vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) e deputado italiano Mario Pescante estima que a Fifa teve um comportamento "racista" em relação ao Brasil diante da sugestão de seu secretário-geral, Jerome Valcke, de que o País precisava de um "chute no traseiro" por conta dos atrasos nas obras da Copa do Mundo de 2014.
Valcke é criticado pelo COI - Arnd Wiegmann/Reuters - 29/05/2011
Valcke é criticado pelo COI

Tradicionais desafetos, a Fifa e o COI vem trocando farpas há anos. Ao Estado, membros da cúpula do Comitê Olímpico Internacional garantiram que não vão sugerir que o Brasil receba um "chute no traseiro" em relação à preparação dos Jogos de 2016 no Rio. Mas não perderam a oportunidade para criticar a entidade máxima do futebol pelos comentários.
"O Brasil reagiu muito bem diante do que foi dito. Não podia passa em branco. A Fifa precisava de uma reação desta para ver que não pode simplesmente dizer o que quer », disse Pescante. Ele chega a falar em "racismo" ao descrever os comentários de Valcke. "Eles do Norte acham que todos nós do Sul, que temos praia e sol, não conseguimos pensar e que falta alguma substância no cérebro", declarou o italiano.
Na sede do COI em Lausanne, o Estado conversou com dirigentes olímpicos que confirmam que existem problemas que terão de ser resolvidos no Brasil nos próximos meses para garantir que os Jogos de 2016 possam ocorrer de forma adequada. Mas insistiram em reprovar a metodologia de Valcke para colocar pressão para que as obras sejam realizadas.
"O Brasil não vai levar o chute no traseiro do COI. Não vamos fazer a mesma sugestão ao Brasil", declarou Craig Reedy, um dos membros do COI e parte do comitê de Ética da entidade. "Aqui, nós fazemos as coisas de uma forma diferente", disse Denis Oswald, do Comitê Executivo da entidade olímpica e coordenador dos trabalhos para Londres-2012.
Diplomático, o presidente do COI, Jacques Rogge, fez questão ontem de apenas fazer elogios ao Brasil. "Estamos muito satisfeitos com a relação que temos com o governo Dilma" , disse.
Mesmo nos pontos onde há problema, a ordem é a de não criar uma crise. Em 2009, quando o Rio ganhou o direito de sediar o evento, o plano era um. Hoje, ele está mudado. "Recebemos garantias de que as medidas que nós pedimos (para adequar o plano) serão adotadas", declarou.
Outro problema que o COI aponta é a situação do laboratório de testes de doping no Rio de Janeiro. A Wada suspendeu a instituição depois de uma série de erros. Rogge, mais uma vez, optou por não criar polêmica e manter um tom positivo. "Recebemos garantias de que, até 2016, tudo estará em ordem. Temos ainda quatro anos pela frente", disse.
Para Nawal Moutawakel, que coordena as inspeções no Brasil, fez ontem uma apresentação ao COI do que ouviu de Dilma e dos organizadores de 2016 em reuniões na semana passada. Ela admite que o problema do laboratório carioca terá de ser resolvido. Mas adotou o tom de elogios. "Estamos satisfeitos, há progressos feitos e todas as promessas de 2009 estão sendo respeitadas, dentro do prazo e dentro do orçamento", declarou.
Ao contrário da Fifa, que teve de apelar por um encontro com Dilma amanhã, o COI insiste que seu acesso ao Palácio do Planalto é mais tranquilo.

Recupero meu post do dia 6 de março de 2012. Vai novamente em vermelho e volto mais uma vez a seguir:

Erro de Valcke é o delírio da superioridade

O governo tornou-se mais mau-humorado? Menos tolerante? Pode ser, mas é uma postura bem vinda. Ainda que o general Charles de Gaulle sempre tenha negado ter dito que "o Brasil não é um país sério", a pecha ficou. Não faltaram presidentes, governadores, prefeitos, legisladores e juízes a confirmar nossa suposta alma galhofeira. O poder pátrio abrigou figuras desrespeitosas, que pela ineficiência das nossas instituições passaram à história como representantes dessa imensa comédia nacional que em nada nos engrandece.
Depois de bater de frente com os militares da reserva, o governo também resolveu colocar o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, no seu devido lugar. E com absoluta razão. O cartola francês sofre do devaneio da superioridade e se apropriou do discurso que o ex-presidente do seu país sempre negou que proferira, na década de 60.

A Fifa não é uma instituição séria, pelo menos quando se dá ao adjetivo "seriedade" o mesmo significado de lisura, honestidade, transparência, retidão e correção. A Fifa não é nada disso. É corrupta e corruptora. João Havelange não a tornou maior do que a própria ONU em número de filiados, não teria estendido o braço da entidade aos quatro cantos do mundo, se não tivesse sido generoso. Joseph Blatter, sua cria e continuador (embora hoje estejam em lados opostos), prosseguiu e aprofundou o legado do mestre.


Valcke fala, Aldo escuta: cena que não se verá novamente
Quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa de 2014, a Fifa recebeu um relatório sobre todos os cenários possíveis. Inclusive um de que poderia dar tudo errado e ser obrigada a levar o Mundial, em cima da hora, para outro país (por isso é que há uma espécie de data-limite, em 7 de junho de 2012, para a confirmação do evento; dependendo do andar da carruagem, a entidade pode transferir a Copa para outro país caso o risco de não sair ultrapasse os 50%).
Uma instituição como a Fifa não dá passos errados: recebe panoramas profundos sobre a situação política, social, econômica e jurídica de cada nação-sede. Trata-se de um evento grande demais, rico demais. Não pode correr risco algum de não existir.

A Fifa, portanto, conhece bem o Brasil. Sabe do funcionamento das nossas instituições. Tem consciência do movimento de forças no Congresso. Sempre foi cientificada da ingerência do poder de negociação do Palácio do Planalto. Identifica interlocutores e escolhe os mais confiáveis, aqueles com os quais deve negociar.

Não foi enganada: sabia que a Lei Geral da Copa fere vários dispositivos da legislação brasileira, seja federal ou estadual. Tinha certeza de que sua tramitação no Congresso seria difícil, pelo tanto de defesa dos interesses da entidade que traz no bojo. Ninguém nessa história é trouxa.

Valcke, porém, tem o dom da inabilidade própria daqueles que estão acostumados a negociações fáceis, a ordens cumpridas. Cometeu o erro de achar que as coisas deslanchariam aqui tal como foram na África do Sul.

Na Copa anterior, foram vários os dispositivos favoráveis à Fifa que o país engoliu sem pensar duas vezes, inclusive uma espécie de tribunal de exceção. Os sul-africanos estavam diante de uma primazia e um privilégio: serem os primeiros a sediaerem um Mundial no continente; e mostrarem-se como ambiente proprício aos negócios numa região marcada por instabilidade política, insegurança jurídica, miséria e violência. Assim, ou aceitavam ou viam a chance de darem um salto econômico lhes escapar.

O Brasil é bem mais complexo. Traz o pior do Terceiro Mundo e o melhor do Primeiro. Valcke acreditava que podia rugir que haveria uma tremedeira geral, que a LGC seria aprovada a toque de caixa. Exagerou na dose e acreditou estar falando com aquele mesmo governo que, pouco mais de um ano atrás, levava tudo na risada e na leveza. Dilma e Lula são muitíssimo diferentes. E os ministros, como não poderia deixar de ser, assumem a personalidade de quem está no topo da pirâmide. 

Ao dizer que no Brasil as coisas só andam com "chutes na bunda", o secretário-geral
assumiu a face do colonialismo que permeia as ações da Fifa. Valcke representa o "reaciocínio" (mistura de reacionarismo com raciocínio) de uma entidade que se considera acima das nações. Não é por acaso que pretende impor ao Brasil o mesmo tribunal de exceção que houve na África do Sul e sugere que o país arque com os danos de desastres e imprevistos que afetem os patrocinadores da Copa.
A Fifa não nos faz favor algum. É um casamento de conveniência. O Brasil é a nação que mais tem merecido adulação de investidores, que nos enxergam como imunes à crise internacional e como saída para a manutenção dos lucros. O tom desrespeitoso, arrogante, de Valcke registra uma alma preconceituosa, que acredita estar dando a nós, pobres nativos de Pindorama, um benefício divino.

Não é mais assim, "doutor". Se a Fifa nos cobra seriedade, é preciso que seja séria também. Começando por abolir o linguajar próprio da sarjeta.   


Como meu ídolo Reynaldo Azevedo, voltei.
Agora vem o membro do COI dizer que Valcke foi racista no tratamento com o Brasil. Isso era claro, por mais que a Globo, que tem o legítimo direito de defender seus interesses, ache tudo uma imensa palhaçada, sobretudo da parte do governo.
Dias atrás, utilizou espaço nobre, no Jornal Nacional, para divulgar que seria a transmissora das copas sabe-se lá até quando. Um tapa com luva de pelica na Record, que vai exibir a Olimpíada de Londres, dentro de mais alguns meses, e deixou a Globo a pão e água.
(Com todo respeito à Olimpíada, ninguém a assiste, pelo menos não com o mesmo interesse de uma Copa. Ainda mais se for passada na Record.)
É o velho vezo das Organizações: enquanto as coisas convergem, ótimo; se divergem, pau nelas. Foi um dos editoriais mais torpes, mais indignos que li. Então vem um serviçal qualquer, põe o dedo na nossa cara, diz como temos de fazer as coisas e há alguém que concorde com ele? Juracy Magalhães, que passou para a história como um lacaio dos Estados Unidos e um explorador dos brasileiros, talvez concordasse. E já faz pelo menos cinco décadas que ele disse que "o que bom para os EUA, é bom para o Brasil".
O editorial é um espaço nobre demais para ser desperdiçado na defesa de interesses, sobretudo paroquiais.
 

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