quarta-feira, 6 de julho de 2011

Assim é se lhe parece

Conversava ontem com um amigo que, depois de anos na iniciativa privada, foi trabalhar num órgão público. Foi trabalhar numa boa, sem sacanagem ou levado para participar de alguma esperteza. Foi trabalhar por necessidade. E uma das coisas que ele me contou foi o choque que teve ao ver o ritmo dos organismos de Estado: é lentíssimo, devagar, quase parando. Mas não foi somente isso: houve dias em que ele não fez absolutamente nada. Cumpriu horário fazendo coisa alguma de produtivo, relacionado à sua função.
A mim só restou ouvir o desabafo. Esse cara eu conheço: viemos praticamente juntos do Rio de Janeiro, cidade historicamente considerada um antro de espertos e vagabundos. Não é verdade: o sujeito, seja de que estado for, quando migra, o faz com a intenção de suar a camisa, de trabalhar duro, de pegar no pesado. Foi o que ele fez e sou testemunha de que sempre correu o campo todo, mesmo quando não era tão necessário assim. Cansamos de chegar juntos ao trabalho e, enquanto eu saía, encerrando meu dia de trabalho, ele permanecia por mais uma, duas horas.
Conheci-o pela primeira há mais de 20 anos, quando, num domingo Dia das Mães, fez sua estréia no jornalismo. Foi levado por um professor da faculdade que cursava, que o considerava “com cacoete” para a coisa. Nunca mais saiu de redação de jornal, fazendo-o há pouco tempo, por questões alheias à vontade. Sempre foi um desses pés-de-boi.
Foi parar num órgão público depois de três meses correndo atrás de emprego. Fora demitido do jornal em que trabalhava porque a superior imediata tinha com ele diferenças insanáveis. Conheço bem esse meu amigo: é daqueles camaradas que têm o péssimo hábito de dizer a verdade, qualquer que seja a circunstância. É um cara de posição; não é melífluo. Mas a superior dele não gostava muito disso. Preferia os “concordinos”, aqueles que veem o barco indo rumo às pedras, mas continuam dizendo que o caminho está certo.
Durma-se com uma mediocridade dessas.
Ele perdeu o emprego e com filhos para criar. Perdeu numa idade complicada, beirando os 50. Nesse país, nem sempre a experiência é recompensada. Mas o puxassaquismo... Enfim, depois de muito batalhar com a ajuda da mulher, conseguiu uma vaga num órgão público. Primeiro dia, OK. Segundo dia, OK. Terceiro dia, OK. Quarto dia, nada! Nada! Não fez absolutamente nada, a não ser ficar fuçando na internet. Tentou manter as aparências, mas ele mesmo concorda que quanto mais a gente tenta enganar, mais dá bandeira. Mais as pessoas percebem.
Aí, de noite, numa conversa, veio fazer esse desabafo. Acha inadmissível que isso aconteça no governo. Eu sempre tive certa má vontade com o funcionário público e acreditava que, apesar do folclore desfavorável, a categoria trabalhava, sim. Mas vejo que estava errado. Quando ele me disse que ele nada fez e que os outros, ao lado dele, pouco ou quase nada, me assustei. Então, não era folclore!
Tentei amenizar-lhe o incômodo dizendo que os primeiros dias eram assim mesmo, estranhos. E que o jeito era relaxar. O que não podia, conforme lembrei, era fazer-se ausente. É como o futebol: se não te passam a bola, ou é de sacanagem ou porque não sabem. Nos dois casos, o técnico é o responsável. Afinal, se está jogando com 10 em campo, é porque não toma providências.
Foi difícil convencer o cara. Ele estava indignado. Sentia-se inútil, algo que não melhora em nada a condição de alguém que, dias antes, estava parado em casa. Disse-lhe que se argumentos concretos não o convenciam, passaria a utilizar outros um pouco diferentes, porque etéreos.
Disse-lhe que rezasse e pedisse a Deus que indicasse o melhor caminho, que o inspirasse, que o iluminasse e que não se deixasse consumir pela tristeza e pela angústia. Que competência não lhe faltava e que as coisas entrariam nos eixos.
Tomara que tenha me escutado. Gosto muito desse cara.

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