quinta-feira, 28 de julho de 2011

Os novos inquisidores

Não vi e não gostei de A Serbian Film, que diz ser de terror. Para mim, filme do gênero ainda são aqueles da Amicus ou da Hammer, ingleses da década de 60, que tinham no elenco Christopher Lee ou Peter Cushing – ainda acho Lee o Drácula mais assustador da história do cinema. Mas nada disso vem ao caso. O que vem ao caso é a censura imposta a esse filme que veio dos Balcãs.
Dizem que tem cenas que sugerem incesto e pedofilia. A simples menção dessas duas barbaridades me deixa enojado. Não iria ver o filme porque, definitivamente, não tenho estômago para as misérias humanas. Fico entre triste, chocado e revoltado quando leio sobre isso nos jornais. Isso não quer dizer que não goste de películas violentas. Ao contrário, gosto sim, mas quando a coisa entra na área do sexo, e sobretudo crianças, admito que fico transtornado.
Porém, sou contra censurar o filme. Agora que está proibido de entrar no circuito comercial é que realmente se tornará um sucesso. Provavelmente será exibido um dia no Telecine Cult, onde, certa vez, zapeando canais de madrugada, exibia um filme em que aparecia o sexo oral explícito de dois homens. Também foi nesse canal pago que vi um lixo chamado Nove canções, de um cineasta até renomado, Michael Winterbotton. São várias as cenas de sexo explícito e de música ruim, e não sei o que me incomodou mais. Além disso, o casal da trama é feíssimo. Prefiro as louranhas da Vivid, que não estão lá para atuar.
Li que A Serbian Film já é um sucesso de downloads. Claro, tudo o que é proibido vira hit. Foi proibido pelo conservadorismo de Maia pai e Maia filho (Cezar e Rodrigo), que fora do jogo político tiveram de criar um factóide para voltar ao noticiário. Não sei se isso lhes agregará um único voto. Sei que eles apelaram para o que há de mais abominável em matéria de raciocínio intelectual: a censura.
Me lembro que, anos atrás, a Igreja Católica implicou com Jê vous salue, Marie, do xaroposíssimo Jean-Luc Goddard. A então atriz Lucélia Santos era uma das figuras da linha de frente no protesto. Lembrei-me de Lucélia, a doce Escrava Isaura, no filme Bonitinha, mas Ordinária – Ou Otto Lara Rezende, na cena em que é possuída pelos negrões no ferro-velho. E gritava: “Me fode, Cadelão”. Cadelão era um personagem de recorrente de Nelson Rodrigues, uma espécie de canalha empedernido. Não lembro quem fazia o Cadelão no filme. Mas li outros livros em que Cadelão dava o ar da graça, como Engraçadinha.
Tenho nojo da censura porque geralmente é instrumento de gente com muito dinheiro e poder. O cara não gostou, arranja um juiz para sentar em cima. Roberto Carlos fez isso com uma biografia não autorizada. Claro, nela há passagens em que sua eterna imagem de bom moço fica comprometida. Fernando Morais sofreu com um livro sobre a W/Brasil, agência do Washington Olivetto. O deputado Ronaldo Caiado também não gostou de ser retratado e mandou bala na liberdade de expressão. Que processasse o autor de Na toca dos leões, mas censurar, nunca.
Um dado interessante: Caiado e Maias pai e filho pertencem à mesma legenda, o DEM. Embora a ação do deputado já tenha algum tempo, quando o ex-PFL ainda não tinha começado a descida da ladeira, hoje o partido está praticamente esfacelado, resultado dos oito anos longe do poder federal.
Não é somente isso. Os Sarney conseguiram amordaçar um jornalão, O Estado de São Paulo, que até ontem estava há 727 dias sob censura. Não pode dar uma única e escassa linha sobre Fernando Sarney e suas conversas comprometedoras, gravadas no âmbito da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. Não fosse quem é e filho de quem é, o juiz jamais teria concedido a liminar. Fiquei surpreso como a família não tirou de circulação Honoráveis Bandidos, de Palmério Dória. Talvez porque não quisesse aparecer pela segunda vez como uma fã incondicional da censura.
Sou e sempre fui a favor de processar o autor. Não gostou, manda a justa em cima do cara. Na frente do juiz, os dois lados expõem seus argumentos e ganha quem tiver o melhor. Porque a proibição pura e simples de que um livro, um CD, um DVD ou um filme fiquem ao alcance do consumidor, pressupõe que quem a conseguiu está coberto de razão.
Impedir a obra de circular é medieval. E a idade das trevas há muito passou.

Um comentário:

  1. Meu caro, bacana mesmo o blog, uma forma de eu acompanhar seus arroubos filosóficos-políticos-sócio-culturais, agora que não nos topamos formalmente. Sobre o post, como você sabe, também gosto da violência estampada na tela do cinema. E imediatamente revoltei-me contra a censura imposta ao Serbian Film. Não acho que deva ser um bom filme ou mesmo um necessário. Mas trabalhando como crítico de cinema (e isso vale para qualquer um que queira opinar sobre qualquer coisa), aprendi algo muito básico: é preciso assistir ao filme para criticá-lo. E o fato de os censores agirem a partir do ouvir falar e de ler a sinopse não é só de uma absurda ignorância, como é muito assustador para toda a classe artística, que volta a ser assombrada por este fantasma há 25 anos dormente no sótão das memórias da ditatura militar. E, claro, poderíamos aqui exercer nosso poder de formadores de opinião para sugerir às pessoas que ignorem este filme, uma vez que dizem ter cenas chocantes de extrema repugnância. Mas os censores certamente conseguiram provocar o efeito contrário. Com esse auê todo, deram incrível mídia espontânea e geraram tamanho interesse/curiosidade para uma produção que, provavelmente, não conseguiria fechar uma distribuição comercial, relegando-o ao esquecimento ou escondendo-o nas prateleiras das locadoras, entre os filmes B. Agora é tarde. E o filme, com a popularidade que conseguiu, tem hoje um contrato de distribuição comercial.
    Abraços,
    Guilherme Lobão

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